HATOUM, MILTON


MILTON HATOUM



Nascido em Manaus em 1952, é professor de literatura na Universidade do Amazonas e professor-visitante da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Seus livros Relato de um certo Oriente, Dois irmãos e Cinzas do Norte ganharam o prêmio Jabuti de melhor romance e foram publicados nos Estados Unidos e em vários países da Europa.

LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA COMPANHIA DAS LETRAS

RELATO DE UM CERTO ORIENTE

Após um longo período de ausência, uma mulher regressa a Manaus, cidade de sua infância. Deseja encontrar Emilie, a extraordinária matriarca de uma família libanesa há muito radicada ali. Encontra a casa desfeita - como desfeitas para sempre estão as casas da infância.Situado entre o Oriente e o Amazonas, este relato é a busca de um mundo perdido, que se reconstrói nas falas alternadas das personagens, longínquos ecos da tradição oral dos narradores orientais.Com o sopro das obras que vieram para ficar, Relato de um certo Oriente apresenta ao público o talento de um escritor, a força de seu texto envolvente e, sobretudo, lírico.Recebeu em 1990 o Prêmio Jabuti de Melhor Romance e já foi publicado em vários países da Europa. "Não se resiste ao fascínio dessa prosa evocativa, traçada com raro senso plástico e pendor lírico: viagem encantatória por meandros de frases longas e límpidas, num ritmo de recorrências e remansos."Davi Arrigucci Jr.Prêmio Jabuti 1990 de Melhor Romance


LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA CIA. DAS LETRAS


ÓRFÃOS DO ELDORADO



Na pele de personagens como Arminto e Dinaura, Florita e Estiliano, Milton Hatoum concentra — num relato de sonho e pesadelo, ambientado no final do ciclo seringueiro na Amazônia — a vasta matéria que vem explorando desde. Relato de um certo Oriente, Dois irmãos e Cinzas do Norte.Órfãos do Eldorado já teve os direitos de publicação vendidos para mais de quinze países.Numa cidade à beira do rio Amazonas, um passante vem procurar abrigo à sombra de um jatobá e, incauto ou curioso, dispõe-se a ouvir um velho com fama de louco. É o que basta para Arminto Cordovil começar a contar a história de Órfãos do Eldorado: a história de seu próprio amor desesperado por Dinaura, mas também a crônica de uma família, de uma região e de toda uma época que, à base da seiva da seringueira, quis encarnar os sonhos seculares de um Eldorado amazônico.Essa miragem mítica e histórica serve de pano de fundo a Órfãos do Eldorado e ao destino de Arminto Cordovil, dividido entre o amor pela moça misteriosa e as pretensões dinásticas do pai, Amando, armador enriquecido com a borracha. Na casa elegante em Manaus ou no palacete de Vila Bela, Amando nutre fantasias de proprietário e armador, que seu filho único teima em minar.Entre esses extremos que mal se tocam, uma galeria notável de mulheres — Angelina, a mãe morta; Florita, o anjo da guarda morena; Estrela, a bela sefardita — e os homens — de Estiliano, o advogado grego, a Denísio Cão, o barqueiro infernal — que vivem na própria pele o fausto e os conflitos do ciclo da borracha nos anos que antecedem a Primeira Guerra Mundial. E, no centro de tudo,Dinaura, corpo estranho entre as órfãs das Carmelitas em Vila Bela, moça que parece filha do mato, lê romances, enfeitiça Arminto e sonha com a Cidade Encantada, a Eldorado submersa de que tanto se fala à beira do rio Amazonas."A voz da mulher atraiu tanta gente, que fugi da casa do meu professor e fui para a beira do Amazonas. Uma índia, uma das tapuias da cidade, falava e apontava o rio. Não lembro o desenho da pintura no rosto dela; a cor dos traços, sim: vermelha, sumo de urucum. Na tarde úmida, um arco-íris parecia uma serpente abraçando o céu e a água. Florita foi atrás de mim e começou a traduzir o que a mulher falava em língua indígena; traduzia umas frases e ficava em silêncio, desconfiada. Duvidava das palavras que traduzia. Ou da voz. Dizia que tinha se afastado do marido porque ele vivia caçando e andando por aí, deixando-a sozinha na Aldeia. Até o dia em que foi atraída por um ser encantado. Agora a morar com o amante, lá no fundo das águas. Queria viver num mundo melhor, sem tanto sofrimento, desgraça. Falava sem olhar os carregadores da rampa do Mercado, os pescadores e as meninas do colégio do Carmo. Lembro que elas choraram e saíram correndo, e só muito tempo depois eu entendi por quê.De repente a tapuia parou de falar e entrou na água. Os curiosos ficaram parados, num encantamento. E todos viram como ela nadava com calma, na direção da ilha das Ciganas. O corpo foi sumindo no rio iluminado, aí alguém gritou: A doida vai se afogar. Os barqueiros navegaram até a ilha, mas não encontraram a mulher. Desapareceu. Nunca mais voltou."

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