Leandro Konder nasceu em 1936, em Petrópolis (RJ) - filho de Valério Konder, médico sanitarista e líder comunista. Formado em Direito, Konder exilou-se em 1972, após ser preso e torturado pelo regime militar, e morou na Alemanha e depois na França até seu regresso ao Brasil em 1978. Doutorou-se em filosofia em 1987 no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. É professor no Departamento de Educação da PUC/RJ e do Departamento de História da UFF. Tem vasta produção intelectual como confererencista, articulista de jornais, ensaísta e ficcionista. Em 2002 foi eleito o Intelectual do Ano pelo Fórum do Rio de Janeiro, da UERJ. Um dos maiores estudiosos do marxismo no país é autor, entre outras obras, de A questão da ideologia (São Paulo, Companhia das Letras, 2000); A poesia de Brecht e a História (Rio de Janeiro, Zahar, 1996); Barão de Itararé, o humorista da democracia (São Paulo, Brasiliense, 1982) e Os marxistas e a arte (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967).
LIVRO ESCOLHIDO - BOITEMPO EDITORIAL
Uma conversa de um leitor, rigoroso e crítico, mas também apaixonado, sobre o eterno aprendizado da leitura. Em As artes da palavra- elementos para uma poética marxista, o filósofo Leandro Konder faz uma reflexão sobre literatura e realismo. Dividido em duas partes, na primeira Konder parte da sua experiência e erudição para analisar seis gêneros da expressão literária: poesia, romance, teatro, ensaio, crônicas e cartas. Para cada um dedica um capítulo intitulado “Para ler...” em que o autor, com um texto claro como uma boa aula, discute, desperta o interesse e amplia a compreensão sobre as formas do discurso escrito. Nas suas introduções aos gêneros, Konder trata de questões como porque hoje quase não se lê poesia; o que é um romance; a relação entre o texto teatral e a encenação ao longo da história da dramaturgia até Bertolt Brecht, a dinâmica complexa entre a liberdade artística e a linguagem da ciência nos ensaios; os recursos da crônica, gênero no qual cabe tudo, menos ser chato, e o lugar da carta dentro da literatura. Na segunda parte do livro, o autor parte para um desenvolvimento original do conceito de realismo na literatura, a partir da análise e comparação de um romancista notadamente realista, Honoré de Balzac, com a busca ao que existe de realismo na obra de Fernando Pessoa, um poeta que inventava inclusive os autores de seus poemas. Fortemente inspirado pelo filósofo húngaro Georg Lukács, Konder busca uma definição do que é realismo e sua relação com a força das grande obras de arte.
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SOBRE O AMOR
A mais segura das generalizações sobre a tradição filosófica ocidental é considerá-la uma série de notas de rodapé à obra de Platão, dizia o filósofo e matemático britânico Alfred North Whitehead. E, nessa obra, poucos textos são tão fundamentais quanto certo bate- papo entre amigos intitulado O Banquete. Nesses tempos, ao menos em Atenas, o debate inteligente era parte da diversão e do ritual do symposion tanto quanto o vinho, as flautistas e o prazer de estar com o amado. A erudição, a literatura e a filosofia não eram uma chatice nem uma abstração distante da vida.
É com esse espírito que o filósofo Leandro Konder nos convida a Sobre o Amor. O livro pode ser lido como uma extensão desse texto fundador da civilização ocidental, como se dele participassem não só Sócrates, Aristófanes e seus companheiros de taça e ânfora, como também Marx, Goethe, Camões, Fourier, Hegel, Freud, Rosa Luxemburgo, Guimarâes Rosa, Cervantes, Drummond e mais uma dúzia de autores do mesmo quilate, sem chegar a quebrar o clima de “um papo filosófico com amigos num bar, tomando um chopinho”, como diz o autor, sem se dispensar de contar fofocas sobre as vidas amorosas reais desses monstros sagrados, quando vêm ao caso.
E clássico usar O Banquete como introdução a Platão e o livro de Konder bem pode servir como introdução despretensiosa, em português corrente, a um estudo sério e atraente da filosofia e das letras tanto quanto da história do pensamento sobre o amor — tema apto como poucos a servir de ponte entre o etéreo e o terreno, a filosofia e o senso comum, a literatura e o papo descomprometido.
Fica-se a saber, por exemplo, do papel fundamental do amor nas críticas de Marx a Ludwig Feuerbach e na e na elaboração de sua própria filosofia, para a qual “a relação imediata, natural, necessária, do homem com o homem é a relação do homem com a mulher” e “a irrupção sensível da minha atividade essencial é a paixão”, como também da atribulada história da paixão do filósofo alemão por sua companheira Jenny e da já famosa infidelidade com a criada Helene Demuth.
Encontra-se também o caminho dos sonetos de Camões, para Konder mais sinceros e imortais que a patriotada épica. E a oportunidade de aprender a comover-se com as saudades do poeta lusíada pela mui fermosa chinesa da qual o fado o separou com um naufrágio no delta do Mekong: Alma minha gentil que te partiste/ tão cedo desta vida descontente,/ repousa lá no céu eternamente,/ e viva eu cá na terra sempre triste. Ou de meditar na paradoxal combinação de escravidão e delicadeza na relação com sua Bárbara Pretidão de Amor,/ tão doce a figura,/ que a neve lhe jura/ que trocara a cor.
Em outra vertente da história e da erudição, é possível também divertir-se com a frivolidade de Ovídio e a deselegância de seus amigos, em irrepreensível tradução do latim clássico para o cafajestês moderno. O poeta, segundo Konder, “menciona o costume dos homens que, ao conversar entre eles, observam as mulheres e dizem: essa eu já faturei (‘haec quoque nostra fuit)’
Como para deixar o leitor ainda mais à vontade, como se estivesse jogando conversa fora ao som de um violão, cada capítulo tem como epígrafe, mais ou menos críptica, alguns versos da música popular brasileira. Servem também, quem sabe, de réplica matreira à boutade de Caetano Veloso: Se vocé tiver uma idéia incrível,/ é melhor fazer uma canção:/ está provado que só é possível/ filosofar em alemão. Pensar em português brasileiro não é mais difícil do que cantar, parece dizer — e mostrar — o professor Konder..
( POR ANTONIO LUIZ M. C. COSTA , CARTACAPITAL 20 DE JUNHO DE 2007 )
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