KOHAN, MARTIN


MARTIN KOHAN

Martín Kohan nasceu em Buenos Aires, Argentina, em janeiro de 1967. Ensina Teoria Literária na Universidade de Buenos Aires e na Universidade da Patagônia. Publicou três livros de ensaio: “Imágenes de vida, relatos de muerte. Eva Perón, cuerpo y política” (1998, em colaboração com Paola Cortés Rocca); “Zona urbana. Ensayo de lectura sobre Walter Benjamin” (2004) e “Narrar a San Martín” (2005); dois livros de contos: Muero contento (1994) e Una pena extraordinaria (1998); e seis romances: La pérdida de Laura (1993), El informe (1997), Los cautivos (2000), Dos veces junio (2002), Segundos afuera (2005) y Museo de la Revolución (2006). Zona urbana foi editado na Espanha por Trotta; já Segundos afuera e Museo de la Revolución, por Mondadori. Em 2007, sob o pseudônimo Miguel Cané, ganhou o 25º Prêmio Herralde, com seu romance Ciências morales. Suas obras estão sendo publicadas em editoriais de prestígio como Einaudi na Itália, Serpent’s Tail no Reino Unido, Seuil na França e Suhrkamp, na Alemanha.
Em agosto de 2006, o autor argentino compareceu ao 7º Salão de Leitura de Belo Horizonte, Minas Gerais. Foi entrevistado por Graciela Ravetti de Gomes, PhD. em Teoria Literária pela Universidad de Valladolid, Espanha, e falou sobre seu livro “Dos Veces Junio” (Duas Vezes Junho, publicado no Brasil em 2005 pela Editora Amauta) e sua famosa frase inicial: “A partir de que idade se pode começar a torturar uma criança?” Contou sobre suas experiências durante a ditadura argentina, quando tinha apenas nove anos. Falou também sobre o papel do futebol na propagação de idéias nacionalistas que serviam à ditadura: muitos argentinos juram que viram a Copa de 78 em cores, embora não tenha sido transmitida em cores para o país. Na obra, aparecem duas derrotas argentinas: nas copas de 78 e 82. Segundo Kohan, escrever sobre as derrotas é uma maneira de levantar a memória.


LIVRO ESCOLHIDO - COMAPNHIA DAS LETRAS


CIÊNCIAS MORAIS


"Ciências Morais", novo romance do argentino Martin Kohan, agora lançado no Brasil, se passa no período final da ditadura argentina, quando a aventura insana da Guerra das Malvinas mobilizava o país, em meados de 1982. Maria Teresa é inspetora no super tradicional Colégio Nacional de Buenos Aires, referência cívica e dos "bons costumes". Tímida, sem atrativos e com pouca personalidade, ela se guia pelo extremo rigor das regras do colégio. Para ela, é Deus no céu e o diretor na Terra. Sua mãe, a própria imagem da alienação, vê a televisão no modo "mudo", e espera os postais lacônicos do filho Francisco, enviado para a Guerra das Malvinas.Bisugatto, o chefe dos inspetores, é um sujeito decididamente desagradável. No passado recente ele foi responsável por fazer listas com nomes de alunos do colégio e entregá-las às autoridades militares. Um delator, com todas as letras. Mas, aos olhos admiradores de Maria Teresa, um defensor dos interesses magnos da Pátria.Todo excesso de zelo esconde um desejo inconfessável, e é o que mostra Kohan em sua alegoria, colocando cada gesto de Maria Teresa nas lâminas de seu microscópio literário. Ansiosa por fazer-se notar positivamente pelo chefe e seu bigode severo, a pobre decide esconder-se no banheiro masculino para ver se flagra algum comportamento impróprio. Sua obsessão é o aluno Baragli, que ela intui ser um "subversivo" pelo modo ousado como apóia a ponta dos dedos no ombro da colega da frente na hora da fila, ou pelo jeito provocante com que mostra a perna para provar que está com as meias corretas. Tem certeza de que ele se aproveita das idas ao banheiro para fumar escondido. Chega a descobrir qual loção masculina ele usa, para melhor identificá-lo quando fechada no cubículo, com as pernas encolhidas e as costas apoiadas nos frios ladrilhos.
O livro é todo construído com o olhar isento da terceira pessoa, como se Kohan tentasse, por meio desse expediente, exorcizar o espírito opressor da ditadura, que aqui aparece na sua forma mais comezinha. Mas é tão grande o envolvimento do leitor com a intimidade da personagem que é como se o romance estivesse narrado em primeira pessoa. Perto do final, a leitura ganha densidade psicológica e suspense com uma violenta reviravolta. Kohan consegue, com os poucos elementos de que dispõe, a intensidade de que é feita toda grande obra de literatura. "Ciências Morais" é seu mais recente romance. Recebeu no ano passado o prestigiado prêmio Herralde da Espanha. Para se ter uma idéia da importância do prêmio, entre os últimos vencedores estão o também argentino Alan Pauls, com "O Passado" (em 2003), o espanhol Enrique Vila-Matas, com "O Mal de Montano" (em 2002), e o chileno Roberto Bolaño, com "Os Detetives Selvagens" (em 1998), todos do primeiríssimo time.

ZIZEK, SLAVOJ

SLAVOJ ZIZEK


Nascido na Eslovénia em 1949, quando a bela cidade de Ljubljana ainda era capital de uma das repúblicas jugoslavas, Slavoj Žižek foi-se tornando, ao longo da última década, um dos nomes mais em foco no circuito académico internacional. Partindo tanto de Karl Marx como de Jacques Lacan, cujos dificílimos conceitos psicanalíticos estudou em profundidade, Žižek cruza, de forma surpreendente, os mais áridos termos filosóficos com referências concretas da cultura popular – dos filmes comerciais de Hollywood ao mundo da publicidade. Num dos capítulos finais de Elogio da Intolerância, por exemplo, ao discutir o impacto do Viagra na libido masculina, fala da “erecção” recorrendo a Santo Agostinho e à crítica da mercantilização em Adorno... Além disso, a voraz necessidade de ler os sinais do mundo em que vivemos levam-no a integrar nas suas obras, quase em tempo real, uma multiplicidade de acontecimentos em curso – seja o conflito no Médio Oriente, o furacão Katrina, os carros incendiados na periferia parisiense ou o balanço do papado de João Paulo II (um “falhanço ético”, devido ao poder crescente concedido à Opus Dei e à incapacidade de lidar com a pedofilia no seio da Igreja). Embora mantenha o lugar no Instituto de Sociologia de Ljubljana, Žižek lecciona em várias universidades europeias e americanas. Nómada e poliglota (fala seis línguas), profere conferências em todas as latitudes, num registo caótico, a que o seu look desalinhado e mal vestido (nada de casacos ou gravatas) confere a inevitável aura de esquerdista com glamour. A principal crítica que lhe fazem é a da “inconsistência”: não raro, os seus textos contradizem-se ou refutam-se. Nada que o preocupe por aí além. Tal como Lacan, está permanentemente a “actualizar” as suas teorias. Com uma bibliografia que já vai em 50 livros (traduzidos em mais de 20 línguas), a que se juntam centenas de artigos, Žižek publicou em Fevereiro deste ano o seu opus magnum: um calhamaço de 500 páginas (The Parallax View, MIT Press) em que procura reabilitar o materialismo dialéctico.Homem prático, foi candidato (em 1990) à Presidência da Eslovénia, nas primeiras eleições livres após a dissolução da Jugoslávia. Não o escolheram por um triz.
LIVROS ESCOLHIDOS - JORGE ZAHAR EDITOR

1) ROBESPIERRE: VIRTUDE E TERROR


2) MAO: SOBRE A PRATICA E A CONTRADIÇÃO


(Artigo de Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa em Carta Capital n.506)

“Ora (direis) ouvir Mao Tsé-tung! Certo, perdeste o senso.” Mas é o que Slavoj Zizek propõe em Mao: Sobre a prática e a contradição. Também convida a escutar o mais famoso dos cortadores de cabeça em Robespierre: Virtude e terror. As duas obras aprofundam, com personagens ainda mais controvertidos, a reflexão iniciada com a reintrodução de Lenin por Zizek em Às Portas da Revolução, editado pela Boitempo em 2005. Trata-se, diz o esloveno, de fazer-lhes uma crítica implacável sem deixar de reivindicá-los para a esquerda e responsabilizar-se pelo passado que a constituiu. Nada de atribuir “maus” resultados ao traidor ou intruso que corrompeu a pureza do ensinamento original, pois este tem a necessidade inerente de ser “traído”, tirado do contexto original, lançado em um cenário estranho e assim se tornar universal. Só depois de reconhecer isso é possível diagnosticar o que, no plano abstrato, estava certo ou errado. Mao precisou trair Lenin tanto quanto este traíra Marx. Só assim poderia fazer algo tão temível: politizar e pôr em movimento centenas de milhões de trabalhadores anônimos do Terceiro Mundo, o que para o Ocidente era a “estranheza radical” asiática, o alienígena “perigo amarelo” – e com tanto vigor que o movimento continua hoje, ainda que em direção imprevista, a explosão sem precedentes do dinamismo capitalista na China. A principal traição com a qual Mao contribuiu para a filosofia marxista está, para Zizek, nas elaborações sobre a idéia da contradição. A contradição principal – a luta entre proletariado e burguesia – não se sobrepunha à que deveria ser tratada como dominante no caso concreto – por exemplo, a luta contra o imperialismo japonês, que unia chineses de todas as classes. Também, conforme a situação, o fator superestrutural, subjetivo de uma contradição era ou não mais importante que o material. Era preciso distinguir contradições “antagônicas” e “não antagônicas”. São pontos que, para Zizek, merecem consideração: insistir na centralidade da contradição principal no momento errado é “oportunismo dogmático”. Mao falhou miseravelmente em transpor a negatividade revolucionária em uma ordem nova e positiva. Segundo Zizek, a raiz do fracasso está na rejeição, ou incompreensão, da síntese dialética dos contrários, que não é simples conciliação, mas a superação dos termos da contradição. Para o líder chinês, o resultado da luta era a destruição de um lado, o que o aprisionava a uma luta infinita. Não é mera firula filosófica. Dessa perspectiva “cósmica”, Mao desprezava os custos humanos dos projetos. Nem o risco de destruição do planeta pela guerra nuclear lhe importava. Daí também a negação interminável e autodestrutiva da Revolução Cultural, reduzida, no final, a uma destruição impotente por incapacidade de gerar o novo e superar o passado.Ainda assim, o autor vê como positiva a ousadia de Mao e Robespierre e repete com este: “Cidadãos, queríeis uma revolução sem revolução?” Não há revolução que respeite as normas preexistentes. Toda explosão democrática autêntica tem uma dimensão de “terror”, a imposição brutal de uma nova ordem. Zizek chega a propor a reinvenção do terror democrático como forma de enfrentar a ameaça da catástrofe ecológica: justiça igualitária estrita (impor as mesmas normas em todo o mundo para consumo de energia per capita, sem culpar o Terceiro Mundo), terror (punição aos violadores das medidas impostas, inclusive com limitações das “liberdades”), voluntarismo (decisões coletivas contra a lógica “espontânea” do desenvolvimento capitalista) e confiança no povo (apostar que a maioria apóia as medidas severas e está pronta a controlar seu cumprimento).
Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa em Carta Capital n.506)
“Ora (direis) ouvir Mao Tsé-tung! Certo, perdeste o senso.” Mas é o que Slavoj Zizek propõe em Mao: Sobre a prática e a contradição. Também convida a escutar o mais famoso dos cortadores de cabeça em Robespierre: Virtude e terror. As duas obras aprofundam, com personagens ainda mais controvertidos, a reflexão iniciada com a reintrodução de Lenin por Zizek em Às Portas da Revolução, editado pela Boitempo em 2005. Trata-se, diz o esloveno, de fazer-lhes uma crítica implacável sem deixar de reivindicá-los para a esquerda e responsabilizar-se pelo passado que a constituiu. Nada de atribuir “maus” resultados ao traidor ou intruso que corrompeu a pureza do ensinamento original, pois este tem a necessidade inerente de ser “traído”, tirado do contexto original, lançado em um cenário estranho e assim se tornar universal. Só depois de reconhecer isso é possível diagnosticar o que, no plano abstrato, estava certo ou errado. Mao precisou trair Lenin tanto quanto este traíra Marx. Só assim poderia fazer algo tão temível: politizar e pôr em movimento centenas de milhões de trabalhadores anônimos do Terceiro Mundo, o que para o Ocidente era a “estranheza radical” asiática, o alienígena “perigo amarelo” – e com tanto vigor que o movimento continua hoje, ainda que em direção imprevista, a explosão sem precedentes do dinamismo capitalista na China. A principal traição com a qual Mao contribuiu para a filosofia marxista está, para Zizek, nas elaborações sobre a idéia da contradição. A contradição principal – a luta entre proletariado e burguesia – não se sobrepunha à que deveria ser tratada como dominante no caso concreto – por exemplo, a luta contra o imperialismo japonês, que unia chineses de todas as classes. Também, conforme a situação, o fator superestrutural, subjetivo de uma contradição era ou não mais importante que o material. Era preciso distinguir contradições “antagônicas” e “não antagônicas”. São pontos que, para Zizek, merecem consideração: insistir na centralidade da contradição principal no momento errado é “oportunismo dogmático”. Mao falhou miseravelmente em transpor a negatividade revolucionária em uma ordem nova e positiva. Segundo Zizek, a raiz do fracasso está na rejeição, ou incompreensão, da síntese dialética dos contrários, que não é simples conciliação, mas a superação dos termos da contradição. Para o líder chinês, o resultado da luta era a destruição de um lado, o que o aprisionava a uma luta infinita. Não é mera firula filosófica. Dessa perspectiva “cósmica”, Mao desprezava os custos humanos dos projetos. Nem o risco de destruição do planeta pela guerra nuclear lhe importava. Daí também a negação interminável e autodestrutiva da Revolução Cultural, reduzida, no final, a uma destruição impotente por incapacidade de gerar o novo e superar o passado.Ainda assim, o autor vê como positiva a ousadia de Mao e Robespierre e repete com este: “Cidadãos, queríeis uma revolução sem revolução?” Não há revolução que respeite as normas preexistentes. Toda explosão democrática autêntica tem uma dimensão de “terror”, a imposição brutal de uma nova ordem. Zizek chega a propor a reinvenção do terror democrático como forma de enfrentar a ameaça da catástrofe ecológica: justiça igualitária estrita (impor as mesmas normas em todo o mundo para consumo de energia per capita, sem culpar o Terceiro Mundo), terror (punição aos violadores das medidas impostas, inclusive com limitações das “liberdades”), voluntarismo (decisões coletivas contra a lógica “espontânea” do desenvolvimento capitalista) e confiança no povo (apostar que a maioria apóia as medidas severas e está pronta a controlar seu cumprimento).