NASSAR, RADUAM

RADUAM NASSAR


Raduan Nassar nasceu em Pindorama, São Paulo, a 27 de novembro de 1937. Seu nascimento se deu pelas mãos da parteira Rosa Conca de esquina da rua 15 de Novembro com a rua 1º de Maio, onde vivia a família Nassar.
Iniciou seus estudos primários no Grupo Escolar de Pindorama, em 1943, onde recitava poesias nas datas comemorativas. No ano seguinte, 1944, Raduan entra em uma fase de grande fervor religioso, e se tornaria, dois anos depois, coroinha.
Em 1947, inicia o curso ginasial do Colégio Estadual de Catanduva, na cidade de mesmo nome e começa a trabalhar com o pai. Dois anos depois, a família de Raduan muda-se para Catanduva a fim de tornar mais fácil o acesso das crianças da casa aos estudos. Em 1950, durante uma aula da quarta série ginasial, Raduan é acometido de uma convulsão ? a primeira de uma série de sete que se ocorreriam por mais dois dias seguidos. Diante de um diagnóstico irresponsável e alarmista, seus pais decidem transportá-lo para São Paulo, onde Raduan será tratado por um neurologista.
É a partir dessa data que o adolescente expansivo e de memória excelente passa a ser quieto e introvertido. Raduan abandonaria os estudos neste ano para só retomá-los no ano seguinte, 1951.
No mesmo ano é que o escritor começa a ler clássicos da literatura brasileira. Sua irmã Rosa, licenciada em Letras Clássicas pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, passa a ser a professora da escola em que Raduan estuda e também a prestar consideráveis progressos no aprendizado de língua portuguesa do irmão, em casa.
Em 1953, com o pai dos Nassar tendo em vista uma maior comodidade para que os filhos continuem os estudos, a família Nassar muda-se para o bairro de Pinheiros, em São Paulo, mais exatamente na rua Teodoro Sampaio, número 2173, local onde o pai de Raduan abre um armarinho, o Bazar 13. O Bazar 13 do pai dos Nassar se tornaria, anos mais tarde, uma empresa de expressão comercial em São Paulo.
Em 1955, Raduan ingressa na Faculdade de Direito do Largo São Francisco e no curso de Letras Clássicas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Abandona, no segundo semestre do mesmo ano, o curso de Letras e conhece, no curso noturno de Direito, Hamilton Trevisan que acabaria apresentando-o a Modesto Carone, de quem Raduan se tornaria grande amigo.
O três amigos têm todos pretensões literárias e muitas de suas conversas são a respeito de literatura. Em 1957, Raduan ingressaria no curso de Filosofia da USP. Era o sexto dos irmãos Nassar a freqüentar a mesma faculdade, à época funcionando no antigo prédio situado à rua Maria Antonia, no centro de São Paulo.
Em 1959, decidido a se dedicar integralmente à literatura, Raduan abandona o curso de Direito no último ano e passa a freqüentar apenas o curso de estética na Faculdade de Filosofia. No ano seguinte, morre seu pai, João Nassar, então paralítico, depois de convalescer durante oito anos de grave doença. Cristão ortodoxo e agricultor num Líbano sob domínio otomano, o pai de Raduan foi o responsável pela primeira formação política dos filhos, pois estes cresceram ouvindo os relatos sobre aquela presença colonial.
Em 1961, deixa os negócios da família e viaja para o Canadá a fim de encontrar-se com duas tias, irmãs de seu pai, que moravam em Matane. Depois, segue para os Estados Unidos como imigrante, onde permanece por apenas dois meses. É também em 1961 que escreve o conto Menina a Caminho.
Volta ao Brasil no ano seguinte e retoma o curso de Filosofia na USP e o conclui um ano depois, em 1963. Em 1964, Raduan viaja para Alemanha com o intuito de estudar alemão. Fica sabendo do golpe militar de 31 de março através das cartas que recebe dos amigos. Comunica então ao Departamento de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP sua decisão de não assumir a assistência da cadeira de Psicologia Educacional no campus de São José do Rio Preto daquela instituição. Decide também abandonar o curso de alemão e viajar para o Líbano, onde conhece a aldeia em que seus pais viveram, retornando, em seguida, ao Brasil.
De volta ao Brasil, Raduan passa a ser criador de coelhos na chácara Taipi, em Cotia, São Paulo. Seu sócio no empreendimento, Ernst Weber se dedicaria com ele ao jornalismo, alguns anos mais tarde. Em 1967, abandona a carreira de criador de coelhos e funda, ao lado dos irmãos, o Jornal do Bairro, no qual conta com a participação de seu amigos, sobretudo, de José Carlos Abbate, que assume as funções de redator-chefe da publicação, onde Ernst Weber se iniciou no jornalismo. Apesar de ser um jornal regional, o semanário se dedicava uma boa parte do seu conteúdo jornalístico à cobertura de fatos da política nacional e internacional.
Em 1970, Raduan Nassar escreve a primeira versão da novela Um Copo de Cólera, e os contos O Ventre Seco e Hoje de Madrugada. Dois anos depois, participa junto com seus familiares de uma leitura do Novo Testamento. As leituras duram quase que o ano todo. Ao mesmo tempo, ele retoma as leituras do Velho Testamento e do Alcorão (esta iniciada em 1968). Todo esse estudo religioso irá, mais tarde, se refletir de modo acentuado em Lavoura Arcaica.
Conhece sua futura companheira, a professora Heidrun Brückner, do Departamento de Línguas Germânicas da USP, em 1973, e, no ano seguinte, deixa o Jornal do Bairro por discordar de algumas mudanças editoriais. Nessa época, o semanário tinha uma tiragem de 160 mil exemplares.
Começa a trabalhar exclusivamente no livro Lavoura Arcaica, chegando a trabalhar mais de 10 horas por dia no texto. Depois de terminado o romance, Raja, irmão de Raduan, oferece uma cópia dos originais ao professor de psicologia Dante Moreira Leite, o qual encaminha os originais à Livraria José Olympio Editora, no Rio de Janeiro, que, em 1975, publica o livro com um ajuda financeira feita pelo próprio Raduan.
Em 1976, o livro ganha o prêmio Coelho Neto para romance, da Academia Brasileira de Letras, o Prêmio Jabuti e a Menção Honrosa da Associação Paulista de Críticos de Arte. Dois anos depois, a Livraria Cultura Editora publica Um Copo de Cólera, pela Alfaguara, de Madri.
Em 1982, a mesma Alfaguara lança a edição espanhola de Lavoura Arcaica, e, em 1984, a Editora Gallimard, da França, lança Lavoura Arcaica e Um Copo de Cólera. Nesse mesmo ano, 1984, Raduan compra a fazenda Lagoa do Sino, em Buri, sudeste do Estado de São Paulo e passa a se dedicar integralmente à produção rural, deixando claro, em entrevista concedida ao caderno Folhetim do jornal Folha de São Paulo, que abadonara a literatura. No mesmo número o Folhetim traria publicado o conto O Ventre Seco.
Raduan ainda teria seus livros e contos publicados em alemão, pela editora Suhrkamp, na década de 80 e o relançamento dos mesmos seria feito pela Companhia das Letras aqui no Brasil. Em 1994, o livro Menina a Caminho sai numa edição não-comercial em comemoração aos 500 títulos da Companhia das Letras.
Em 2000, Raduan não quis receber, das mãos de FHC, a Ordem do Mérito Cultural, condecoração sempre entregue com muita pompa para dezenas de intelectuais. Adota essa posição por ser um contundente crítico da política cultural do governo e também da política agrícola.


LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA COMPANHIA DAS LETRAS

UM COPO DE CÓLERA

"... e estava assim na janela, quando ela veio por trás e se enroscou de novo em mim, passando desenvolta a corda dos braços pelo meu pescoço, mas eu com jeito, usando de leve os cotovelos, amassando um pouco seus firmes seios, acabei dividindo com ela a prisão a que estava sujeito, e, lado a lado, entrelaçados, os dois passamos, aos poucos, a trançar os passos, e foi assim que fomos diretamente pro chuveiro.""O corpo antes da roupa", afirma o personagem de Um copo de cólera ao narrar o que acontece numa manhã qualquer, depois de uma noite de amor, quando a aparente harmonia entre ele e sua parceira se rompe de repente. Tensa, contundente, a linguagem de Um copo de cólera alcança tal intensidade e vibração que faz desta narrativa uma obra singular da literatura brasileira, um clássico dos nossos tempos.

LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA COMPANHIA DAS LETRAS

LAVOURA ARCAICA

 
Lavoura Arcaica é um texto em que se entrelaçam o novelesco e o lírico, por meio de um narrador em primeira pessoa –André – o filho encarregado de revelar o avesso de sua própria imagem e, conseqüentemente, o avesso da imagem da família. É sobretudo uma aventura com a linguagem: além de fundar a narrativa, a linguagem é também o instrumento que, com seu rigor, desorganiza um outro rigor, o das verdades pensadas como irremovíveis. Lançado em dezembro de 1975, foi imediatamente considerado um clássico, “uma revelação, dessas que marcam a história da nossa prosa narrativa”, segundo o professor e crítico Alfredo Bosi.

MELVILLE, HERMAN

HERMAN MELVILLE

Herman Melville, filho de Allan e Maria Gansevoort Melville, nasce a 1 de Agosto de 1819, em Nova Iorque. Após o colapso do negócio de importação da família, em 1830, e a morte do seu pai, passados dois anos, Melville interrompe os estudos. Em 1837, quando se torna professor de instrução primária perto de Pittsfield, Massachusetts, já havia trabalhado num banco, na quinta de um tio e no negócio do irmão. Embarcará, dois anos mais tarde, como marinheiro na Marinha Mercante, numa viagem que o levará até Liverpool. Em 1840, regressado aos EUA, vagabundeia por vários empregos, para embarcar, no ano seguinte, no baleeiro Acushnet, numa viagem que durará quatro anos. Em Outubro de 1844 desembarca em Boston, após múltiplas peripécias no mar e em terras distantes. Junta-se à família, começando a escrever as suas “aventuras”. Os seus dois primeiros livros, Typee (1846) e Omoo (1847) transformam-no num autor célebre e, apesar de Mardi (1849) ser um insucesso, é bem sucedido com Redburn, publicado no mesmo ano. A White-Jacket (1850) sucede-se Moby Dick (1851) e Pierre; or the Ambiguities (1852), novos fracassos editoriais. Em 1853 começa a escrever para revistas (a sua situação financeira nunca fora famosa) com Bartleby The Scrivener: A Story Of Wall Street, editado na publicação Putnam’s Monthly Magazine.A Israel Potter (1855) segue-se uma viagem à Europa e à Terra Santa. As passagens mais poderosas deste diário de viagem encontram-se em harmonia com o seu último romance, The Confidence-Man (1857). Em 1866, com Battle-Pieces and Aspects of the War, Melville inicia uma longa série de poesia, abandonando virtualmente a prosa. Nesse mesmo ano, consegue trabalho na alfândega de Nova Iorque. Nos anos seguintes escreve Clarel: A Poem and Pilgrimage in the Holy Land (1876), John Marr and Other Sailors (1888) e Timolean and Other Poems (1891). Nos finais de Setembro de 1891, morre, esquecido, em Nova Iorque. Só em 1924 será publicado Billy Budd, Sailor, obra que Melville terá deixado incompleta.

LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA COSAC NAIFY

BARTLEBY, O ESCRITURÁRIO

Para ler a nova edição de "Bartleby, o Escrivão" - uma história de Wall Street, o leitor começa pelo desafio de ter de cortar, uma a uma, as vinte páginas não refiladas do livro. Só assim poderá libertar, aos poucos, este personagem enigmático da ficção moderna que, no dizer de Gilles Deleuze, desafia toda a psicologia e a lógica da razão. A sua famosa fórmula de resistência às ordens do advogado-patrão - Acho melhor não - e, mais tarde, de recusa ao próprio trabalho de escrivão e copista para o qual foi contratado, desperta uma sucessão tragicômica de acontecimentos. A cada resposta evasiva de Bartleby abre-se a fresta para a entrada do insólito nas atitudes e sentimentos despertados no dono do escritório, nos colegas de trabalho e até mesmo nas vizinhanças de Wall Street.

PROUST, MARCEL

MARCEL PROUST

Marcel Proust nasceu em Auteuil, subúrbio de Paris, em 1871. De saúde frágil, teve uma infância cheia de cuidados. Durante a adolescência, viveu nos Champs-Élysées, em Paris, onde o ar saudável lhe ajudava a diminuir os efeitos da asma. Em 1891, ingressou na Faculdade de Direito da Sorbonne; preparou-se para seguir a carreira diplomática, da qual desistiu para dedicar-se à literatura. Seus primeiros escritos datam de 1892, quando, com alguns amigos, fundou a revista Le Banquet. A seguir, passou a colaborar em La Revue Blanche, freqüentando ao mesmo tempo os salões aristocráticos parisienses, cujos costumes forneceram material para sua obra literária, iniciada com Os Prazeres e os Dias (1896). A morte da mãe, em 1905, fez dele herdeiro de uma fortuna razoável. Com a saúde cada vez mais debilitada, Proust acaba isolando-se dos meios sociais para dedicar-se exclusivamente à criação de Em Busca do Tempo Perdido, publicado entre 1913 e 1927, em oito volumes: No Caminho de Swann, À Sombra das Raparigas em Flor, O Caminho de Guermantes (1 e 2), Sodoma e Gomorra, A Prisioneira, A Fugitiva e O Tempo Redescoberto. Seu romance é tido por consenso como um dos maiores não apenas do século passado, mas de toda a história da literatura. Proust morreu em Paris, em 1922.

OBRA ESCOLHIDA - EDITORA GLOBO (1961)

EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO ( L! )
Quando Marcel Proust morreu, em novembro de 1922, ele já havia inscrito há alguns meses a palavra "fim" abaixo de seu manuscrito de Em Busca do Tempo Perdido. Os três últimos volumes do romance - que soma ao todo sete - ainda por publicar, pedem retoques; embora A Prisioneira estivesse praticamente acabada, nós continuamos a ignorar onde deveria terminar Albertina Desaparecida e iniciar O Tempo Redescoberto, que só será publicado em 1927. Mas, já em 1909 Proust havia construído a estrutura de seu edifício: a qualquer momento em que a morte o surpreendesse, Em Busca teria oferecido a chave ao leitor.
Tudo começou em 1908, quando ele esboça um ensaio apresentado sob a forma narrativa e dirigido contra a crítica literária como a concebia Sainte-Beuve (1). Proust passa então, aos olhos de seus contemporâneos, por um espírito cultivado, refinado, até um pouco esnobe; ele é conhecido por ter publicado uma encantadora crônica, Os Prazeres e os Dias (1896), alguns artigos e traduções do crítico de arte e sociólogo britânico John Ruskin, mas não se sabe que ele tem guardado em suas gavetas, por não ter encontrado um desfecho, um longo romance (2) cujo herói chama-se Jean Santeuil.
Por volta do verão de 1909, o Conde de Sainte-Beuve metamorfoseia-se em romance. Imaginando que seu herói, convidado para passar uma manhã na casa da princesa de Guermantes, ele tem a revelação do tempo em suas duas espécies (tempo interior, graças a uma série de reminiscências, e tempo exterior, graças aos rostos envelhecidos dos convidados da princesa), Proust transforma em desfecho romanesco a conclusão de seu ensaio; mas este já estava carregado de cenas e personagens imaginários, a ponto de não se perceber mais o fio do discurso crítico. Em suma, o projeto, ao invés de se perder, ampliou-se.
Fascinado com a forma de se vestir de Madame Swann e com a cultura de seu marido (No Caminho de Swann), incomodado com as maneiras vulgares de jovens ciclistas em férias à beira-mar (À Sombra das Raparigas em Flor), ávido por convites para os salões onde são trocadas futilidades (No Caminho de Guermantes), torturado por amores que não valem a pena (A Prisioneira e Albertina Desaparecida), o herói de Em Busca - que se confunde muito mais com Proust do que o narrador que diz "eu" - traz em si uma obra-prima. Seguindo o método de Sainte-Beuve, quem suspeitaria?
A salvação através da arte
Sua admiração pelas pinturas de Elstir, ou pela música de Vinteuil, não parecem pesar muito diante dessa preguiça que aflige sua avó. Mas, essa "preguiça" é antes de tudo um temor reverencial diante da obra à qual ele se destina.
O herói do romance reflete seu criador: embora tenha sido um jovem apressado e ávido por sucesso, Proust teria a todo custo finalizado seu Jean Sauteuil e, em 1908, ter-se-ia prestado menos atenção, nos salões do Faubourg Saint-Germain em Paris ou no dique de Cabourg na Normandia, a seus ares "preciosos" do que a seu talento e seu sucesso literários. Em resumo, sua reputação de frivolidade era o inverso de uma alta exigência. Ela valeu-lhe, em 1912, a famosa recusa pela editora da Nova Revista Francesa (NRF) do primeiro volume de Em Busca, No Caminho de Swann: folheando o manuscrito, o escritor André Gide entreviu nele, como se esperava, histórias de duquesas e, vítima da "síndrome de Sainte-Beuve", expôs -se ao que chamou mais tarde de o maior remorso de sua vida, a ter passado ao largo do sentido de uma obra em gestação.
Do momento em que foi concebido o desfecho de Em Busca até a sua morte, ou seja durante treze anos (1909-1922), Proust multiplicou retratos e peripécias, reorientou ou amplificou algumas intrigas, inflou suas frases com comparações a fim de ligar o individual ao geral. Depois de acreditar, no início, que seu romance não ultrapassaria as mil páginas, ele acabou escrevendo mais de três mil. Até mesmo essa proporção faz sentido. Quando o caminho percorrido pelo herói encontra finalmente o tempo (que lhe permite reunificar seu eu) ele evoca com efeito o caminho de Perceval na conquista do Graal. Ora, se a natureza do Graal, tanto quanto a da obra do herói de Em Busca continua nos sendo mal conhecida, os esforços e o tempo que eles custaram dão-nos pelo menos uma idéia.
Como nos romances de cavalaria, alguns dos protagonistas que Proust coloca em cena param no meio do caminho. Swann, por exemplo, teria preferido enriquecer sua vida com belezas prontas, ao invés de uma beleza que ele próprio criasse. Ele pertence à categoria dos estetas, na qual seus contemporâneos classificavam Proust, enquanto este escrevia contra eles.
Em Balbec, que provavelmente evoca Cabourg, o herói de Em Busca aprende que as velas de regata, ou os vestidos das moças não atrapalham, aos olhos de um pintor impressionista, o espetáculo do mar eterno. O mundo exterior só possui o interesse de permitir uma alquimia do eu. Ao lhe restituir toda uma parcela de sua infância graças à memória involuntária, o sabor de uma pequena madeleine tem a mesma importância para o autor que o caso Dreyfus (3), ou os bombardeios aéreos de Paris.
Já em O Lírio no Vale, de Balzac, os ombros de Madame de Mortsauf possuíam mais importância do que os Cem Dias (4) e, em a Educação Sentimental, de Flaubert, a venda dos móveis de Madame Arnoux ofuscava, aos olhos de Frédéric, o golpe de Estado de Luiz Napoleão Bonaparte em 2 de dezembro de 1851. Já que o mundo se refrata numa consciência, o romance oferece sempre precedência ao frívolo em detrimento do essencial.
Mas, enquanto para os dois mestres do romance do século XIX a paixão amorosa causava essa inversão de valores, para Proust o amor era apenas uma doença. Seu herói deve senti-lo para refinar sua sensibilidade, mas apenas a obra de arte justifica que se reabilite o que se acreditava inicialmente insignificante. Essa desmistificação do amor é a base da subjetividade total de Em Busca. Que Swann ou o herói não cheguem a saber se Odette ou Albertine os traem faz parte de uma análise tradicional do ciúme; a modernidade de Proust vem do fato de que a questão, para ele, está fadada a permanecer em suspenso.
Como em um quadro impressionista, Em Busca tremula de incertezas. Proust contribui em suma para uma revolução literária comparável à que ocorre em seu tempo na pintura, e que realizarão de maneira mais radical os pintores não figurativos. Provando que o interesse de um livro reside menos na realidade que reflete do que na visão singular que expressa, ele inaugura o que Nathalie Sarraute - uma das líderes do Novo Romance (5) - chamará de a "era da suspeita", onde a suspeita é muito menos a de personagens romanescos e invejosos do que a do leitor, convidado a decifrar os arcanos de um estilo.

Pierre-Louis Rey
(Universitário )

1. Teoria determinista que consiste em explicar uma obra literária a partir do contexto histórico e social no qual está inscrito seu autor.
2. Manuscrito de mil páginas, que Proust nunca organizou e cujos pedaços foram publicados de acordo com a ordem cronológica da vida do herói.
3. Caso político-judiciário que abalou a França de 1894 a 1906.
4. Episódio do efemerísssimo retorno ao poder do imperador Napoleão Iº em 1815.
5. Expressão surgida nos anos 50 para designar o conjunto de escritores que colocam em questão a existência formal do romance, lançando-se na aventura do significante, a da escrita que se confronta a ela mesma.

GUIMARÃES ROSA, JOÃO

JOÃO GUIMARÃES ROSA

Grande renovador da prosa de ficção, João Guimarães Rosa marcou profundamente a literatura brasileira. Nascido na cidade de Cordisburgo (MG), formou-se em Medicina na cidade de Belo Horizonte (1930). Após clinicar algum tempo nos confins do Estado mineiro, onde aprendeu os segredos e as falas do sertão que marcariam sua obra, entrou para a carreira diplomática (1934), indo servir em Hamburgo, Baden-Baden, Lisboa, Bogotá e Paris. Dividido entre a literatura e a carreira diplomática, fez longas viagens pelo interior de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Bahia, anotando os maneirismos de fala de jagunços, vaqueiros, prostitutas e beatas colhidos em conversas. Assim revolucionou a prosa brasileira e foi aclamado pelo público e pelos críticos ao escrever seu primeiro livro de contos: Sagarana (1946). Combinando o erudito com o arcaico e com as expressões populares, transformou a semântica, subverteu a sintaxe e apresentou ao leitor quase um novo idioma para contar as histórias da gente do sertão. Mais tarde publicou Corpo de Baile (1956), um conjunto de sete novelas, e o livro mais polêmico da literatura brasileira do século XX – Grande Sertão: Veredas (1956). Na construção da personagem principal (Riobaldo), fundiu o cotidiano com o requintado, o regional com o erudito, o folclore com a cultura livresca, o real com o fantástico e superou o regionalimo ao compor, numa narrativa épica/mítica, a própria condição humana. Ainda vieram Primeiras Histórias (1962), reunindo 21 contos curtos, e Tutaméia (1967), conjunto de 40 contos. Faleceu no Rio de Janeiro, três dias depois de tomar posse na Academia Brasileira de Letras. Posse esta que sempre adiara, temendo a emoção de vestir o fardão da Academia.

LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA NOVA FRONTEIRA

GRANDE SERTÃO VEREDAS (L!)

Grande Sertão : veredas é uma narrativa em primeira pessoa e quem tem a palavra é Riobaldo, que conversa com um suposto interlocutor. Ex-jagunço, chefe de bando, andarilho do sertão como cangaceiro, ele relata suas aventuras e desventuras ao mesmo tempo em que se questiona a respeito da existência de Deus e do diabo.Riobaldo ao querer se vingar da morte do amigo Joca Ramiro, chefe dos jagunços, assassinado à traição por Hermógenes, ex-companheiro de bando, ele faz um pacto com o diabo para destruir o traidor.Riobaldo torna-se líder do bando vingativo; até que os dois bandos se encontram e entram em confronto. Reginaldo, amigo de Riobaldo e por quem ele sente uma estranha atração que o perturba, entra em combate com Hermógenes e ambos morrem.Nesse momento Riobaldo descobre que Reginaldo é na verdade Diadorim, filha de seu amigo Joca Ramiro, que até então viveu disfarçada de homem. Amargurado, Riobaldo abandona a vida de jagunço e vai viver como um pacato fazendeiro. Confuso e decepcionado com a descoberta de que Reginaldo é na verdade Diadorim, seu grande amor ele desiste das aventura em bando e se recolhe para fazer algumas reflexões sobre a existência. Confuso pela dúvida da existência ou não do diabo e a possibilidade de fazer um pacto com ele, Riobaldo passa a querer entender o sentido e os mistérios da vida. Os fatos narrados por Riobaldo no romance não seguem uma ordem cronlógica, obedecem sim as lembranças que mais marcaram a sua vida. O suposto interlocutor nunca toma a plavra, por isso a narrativa se assemelha a uma reflexão em voz alta, ou seja, como se ele falasse sozinho, querendo em sua solidão entender os mistérios da existência e principalmente compreender o que induz as pessoas a cometerem as más ações. Riobaldo reve-la-se uma personagem diferente à medidade que tem a necessidade de ir além das aprências, e que faz questão de saber mais para entender o mistério da ações humanas.
EXCERTOS
1) Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães...O sertão está em toda parte. (pg 24)
2) Quem muito se evita, se convive, (pg. 24)
3) Viver é negócio muito perigoso... (pg. 26)
4) O diabo na rua, no meio do redemunho... (pg.27)
5) Tudo é e não é... Quase todo mais grave criminoso feroz, sempre é muito bommarido, bom filho, bom pai, e é bom amigo-de-seus-amigosl Sei desses. Só quetem os depois - e Deus, junto. Vi muitas nuvens. (pg. 27)
6) O senhor não duvide - tem gente, neste aborrecido mundo, que matam só para ver alguém fazer careta... eh, pois, empós, o resto o senhor prove: vem o pão,vem a mão, vem o são, vem o cão. (pg. 28)
7) ... passarinho que se debruça - o vôo já está pronto! (pg. 29)
8) Quase que a gente não abria a boca; mas era um delem que me tirava para ele -o irremediável extenso da vida. (pg. 45)
9) Tem coisa e cousa, e o ó de raposa... (pg. 47)
10) Mas ciúme é mais custoso de se sopitar do que o amor. Coração de gente - o escuro, escuros. (pg.52)
11) Falar com o estranho assim, que bem ouve e logo longe se vai embora, é um segundo proveito: faz do jeito que eu falasse mais mesmo comigo. (pg. 55)
12) ...toda saudade é uma espécie de velhice. (jtg. 57)
13) O amor, já de si, é algum arrependimento. (pg. 58)
14) Ah, se eu pudesse mesmo gostar dele — os gostares... (pg. 66)
15) Confiança - o senhor sabe - não se tira das coisas feitas ou perfeitas; eía rodeia é o quente da pessoa, (pg. 72)
16) "Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é sozinho..." (pg. 74)
17) Eu sei: nojo é invenção, do “Que-Não-Há”, para estorvar que se tenha dó. (pg.75)
18) Deus existe mesmo quando não há. Mas o demónio não precisa de existir para haver - a gente sabendo que eíe não existe, aí é que eíe toma conta de tudo. (pg.
76)
19) Nem para se definir calado, em si, um assunto contrário absurdo não concede seguimento, (pg. 77)
20) Digo: o real não está na saída nem na chegada: eíe se dispõe para a gente é no meio da travessia. (pg. 80)
21)... me senti pior de sorte que uma pulga entre dois dedos. (pg. 82)
22) Cavalo que ama o dono, até respira do mesmo jeito. (pg. 89)
23) O senhor deve de ficar prevenido: esse povo diverte por demais com a baboseira,dum traque de jumento formam tufão de ventania. Por gosto de rebuliço. Querem-porque-querem inventar maravilhas glorionhas, depois eíes mesmos acabam temendo e crendo. Parece que todo mundo carece disso. Eu acho, que.(pg. 90)
24) Um homem consegue intrujar de tudo; só de ser inteligente e valente é que muito não pode. (pg. 92)
25) Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto. As pessoas, e as coisas, não são de verdade! E de que é que, a miúde, a gente adverte incertas saudades? Será que, nós todos, as nossas almas já vendemos? Bobeia, minha. E como é que havia de ser possível? Hem?! (pg. 100)
26) Sujeito muito lógico, o senhor sabe: cega qualquer nó. (pg. 108)
27) Vingar, digo ao senhor, é lamber, frio, o que outro cozinhou quente demais. O demónio diz mil. Esse! Vige mas não rege... (pg. 110)
28) O mal ou o bem, estão é em quem faz; não é no efeito que dão. (pg. 113)
29)Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. (pg. 115)
30) O que induz a gente para más ações estranhas, è que a gente está pertinho doque é nosso, por direito, e não sabe, não sabe, não sabe! (pg. 116)
31) Aquele encontro nosso se deu sem o razoável comum, sobrefalseado, como do que só em jornal e livro é que se lê. Mesmo o que estou contando, depois é que eu pude reunir relembrado e verdadeiramente entendido - porque, enquanto coisa asssim se ata, a gente sente mais é o que o corpo a próprio é: coração bem batendo. Do que o que: o real roda e põe diante. - “Essas são as horas da gente. As outras, de todo tempo, são as horas de todos" — me explicou o compadre meu Quelemém. Que fosse como sendo o trivial do viver feito uma água, dentro dela se esteja, e que tudo ajunta e amortece — só rara vez se consegue subir com a cabeça fora dela, feito um milagre: peixinho pediu. Por que? Diz-que-direi ao senhor o que nem tanto é sabido: sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando; mas, quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; Brota é depois. (pg. 155)
32) A gente vive, eu acho, é mesmo para se desiludir e desmisturar. A semvergonhice reina, tão leve e leve pertencidamente, que por primeiro não se crê no sincero sem maldade. (pg. 162)
33)... que a assoprada na vaidade é a alegria que dá chama mais depressa e mais a ar. (pg. 163)
34) Os afetos. Doçura do olhar dele me transformou para os olhos de velhice da minfia mãe. (pg. 164)
35) O senhor sabe: preto, quando é dos que encaram de frente, é a gente que existe que sabe ser mais agradecida. (pg. 165)
36) O saber de uns, a morte de outros. (pg. 166)
37) Sozinho sou, sendo, de sozinho careço, sempre nas estreitas horas - isso procuro. (pg. 169)\
38) Artes que morte e amor têm paragens demarcadas. No escuro. (pg. 174)
39) ...amigo, para mim, não é um ajuste de um dar serviço ao outro, e receber,...amigo, para mimf é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, doigual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto,quase; e os todos sacrifícios, (pg. 196)
40) Mas a natureza da gente é muito segundas-e-sábados. Tem dia e tem noite,vesáveis, em amizade de amor. (pg. 196)
41)Naquele dia eu tardava, no meio de sozinha travessia. (pg. 200)
42) Mas eu fui sempre um fugidor. Ao que fugi até da precisão de fuga. (pg. 200)
43) Medo de errar é que é a minha paciência. (pg. 201)
44) Um ainda não é um: quando ainda faz parte com todos. (pg. 201)
45) Acho que o espírito da gente é cavaío que escolhe estrada: quando ruma para tristeza e morte, via não vendo o que é bonito e bom. (pg. 202)
46)...só aos poucos é que o escuro é claro. (pg. 207)
47)Medo, não, mas perdi a vontade de ter coragem. (pg.215)
48) A morte é corisco que sempre já veio. Ânsias, ao em que bola me vinha goela arriba, do arrocho grosso, imposto, que às vezes em lágrimas nos olhos se transforma. A bobagem.... (pg. 231)
49) Como é eu que posso com este mundo. A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado... (pg.237)
50) Deus a gente respeita, do demônio se esconjura e aparta...Quem é que pode ir divulgar o corisco de raio do borro da chuva, no grosso das nuvens altas? (pg. 237)
51)...que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o sentir da gente; o que isso era falta de soberania, e farta bobice, e fato é. (pg. 253)
52) Se não, o senhor me diga: preto é preto? Branco é branco? Ou: quando é que a velhice começa, surgindo de dentro da mocidade? (pg. 262)
53) Quem vai em caça, perde o que não acha... (pg. 293)
54)A gente estava desagasalhados na alegria, feito meninos. (pg. 299)
55) Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera. (pg. 302)
56) Tem trechos em que a vida amolece a gente, tanto, que até um referver de mau desejo, no meio da quebreira, serve como beneficio. (pg. 303)
57) Um homem de tão alta bondade tinha mesmo de correr perigo de morte, mais cedo mais tarde, vivendo no meio de gente tão ruim... (pg. 314)
58) Atravessaram por nós, sem a gente perceber, como a noite atravessa o dia, da manhã à tarde, seu pretume dela escondido no brancor do dia, se presume, (pg. 318)
59A vida é vez de injustiças assim, quando o demo leva o estandarte.(pg. 319)
60) Sofrimento passado é glória. É sal em cinza. (pg. 319)
61) Semeei minha presença dele, o que da vida é bom eu delo entendia. (pg. 319)
62) Para ódio e amor que dói , amanhã não é consoto. (pg. 320)
63) Mas liberdade - aposto- ainda é só alegria de um pobre caminhozinho, nodentro do f erro de grandes prisões. 'Tem uma verdade que se carece de aprender,do encoberto, e que ninguém não ensina: o beco para a liberdade se fazer. Souum homem ignorante. Mas, me diga o senhor, a vida não é cousa terrível? (pg.323)
64) Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. (pg. 327)
65) Eu sendo água, me bebeu; eu sendo capim, me pisou; e me ressoprou, eu sendo cinza. Ah, não! Então, eu estava ali, em chão, em a-cú acôo de acuado?! (pg. 349)
66) Para as coisa que há de pior, a gente não alcança fechar as portas. (pg. 369)
67) Mas, mente pouco, quem a verdade toda diz. (pg. 380)
68) O que brotava em min e rebrotava: essas demasias do coração. Continuando, feito um bem, que sutil e nem me perturbava, porque a gente guardasse cada um consigo sua tenção de bem-querer, com esquivança de qualquer pensar, do que a consciência escuta e se espanta; e também em razão de que a gente mesmo deixava de excogitar e conhecer o vulto verdadeiro daquele afeto, com seu poder e seus segredos; assim é que hoje eu penso. (pg. 389)
69) A gente só sabe bem aquilo que não entende. (pg. 394)
70) O que mais digo: convém nunca a gente entrar no meio de pessoas muitodiferentes da gente. Mesmo que maldade própria não tenham, eles estão comvida cerrada no costume de si, o senhor é de extremos, no sutil o senhor sofreperigos. Tem muitos recantos de muita pele de gente. Aprendi dos antigos.Oque assenta justo é cada um fugir do que bem não se pertence. Parar o bomlonge do ruim, o são longe do doente, o vivo longe do morto, o frio longe doquente, o rico longe do pobre. (pg. 405)
71) O maior direito que é meu — o que quero e sobrequero -: é que ninguém tem odireito de fazer medo em mim! (pg. 410)
72) "Vida" é noção que a gente completa seguida assim, mas só por lei duma idéiafalsa. Cada dia é um dia. (pg. 414)
73) Eu tinha medo de homem humano. (pg. 422)
74)... um dia é todo para a esperança, o seguinte para a desconsolação. (pg. 426)
75) Do contrario, não tinna sincero jeito possível: porque ele era de raça tão persistente, no diverso da nossa, que somente a estância deíe, em frente, já media, conferia e reprovava. (pg. 430)
76) Uma coisa, a coisa, esta coisa: eu somente queria era – ficar sendo! (pg. 436)
77) Parente não é o escolhido - é o demarcado. (pg. 444)
78) Dentro de mim eu tenho um sono, e mas fora de mim eu vejo um sonho — umsonho eu tive. O fim de fomes. (pg. 451)
79)Aqui digo: que se teme por amor; mas que, por amor, também, é que a coragem se faz. (pg. 472)
80) Um outro pode ser a gente; mas a gente não pode ser um outro, nem convém...(pg. 476)
81)A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação - porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada. (pg. 477)
82) O que nesta vida muda com mais presteza: é lufo de noruega, caminhos de antaem setembro e outubro, e negócios dos sentimentos da gente. (pg. 478)
83) Só quando se tem rio fundo, ou cava de buraco, é que a gente por riba põeponte...(pg. 479)
84) "Minha Senhora Dona: um menino nasceu — o mundo tornou a começar.... u- e saí para as luas. (pg. 484)
85) Digo ao senhor. meu medo é esse. Todos não vendem? Digo ao senhor: o diabo não existe, não há, e a ele eu vendi a alma... Meu medo é este. A quem vendi? Medo meu é este, meu senhor: então, a alma, a gente vende, só, é sem nenhum comprador... (pg. 501)
86) O que meus olhos não estão vendo hoje, pode ser o que vou ter de sofrer no diadepois d’amanhã. (pg. 534)
87) Dói sempre na gente, alguma vez, todo amor achável, que algum dia sedesprezou... (pg.538)
88) Tirante que não pedi conselhos. Mas não houvesse: mas, pedir conselho - não ter paciência com a gente mesmo; mal hajante... (pg. 548)
89) Riobaldo, hoje-em-dia eu nem sei o que sei, e, o que soubesse, deixei de saber oque sabia... "(pg. 549)
90) Só que não entendo quem se praz com nada ou pouco; eu, não me serve cheirar a poeira do cogulo - mais quero mexer com minhas mãos e ir ver recrescer a massa. (pg. 560)
91) Mas eu sabia que era o minuto e não era a hora. (pg. 566)
92)... e para sentir que Diadorim não era mortal. E que a presença dele não me obedecia. Eu sei: quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade... (pg. 568)
93)E, Diadorim, que vinha atrás de mim uns metros, quando virei o rosto vi meu sorriso nos lábios deíe. (pg. 579)
94) O senhor escute meu coração, pegue no meu pulso. O senhor avista meus cabelos brancos... Viver- não é? - é muito perigoso. Porque ainda não se sa6e. Porque aprender-a-viver é que é o viver, mesmo. (pg. 601)
95)”Tu não acha que todo o mundo é doido? Que um só deixa de doido ser é em horas de sentir completa coragem ou o amor. Ou em horas em que consegue rezar?"(pg. 603)

GOMBROWICZ, WITOLD

WITOLD GOMBROWICZ
 Nasceu em 1904 numa propriedade rural perto de Varsóvia. Formou-se em direito pela Universidade de Varsóvia e completou os estudos em Paris, graduando-se em filosofia e economia. Iniciou a carreira literária em 1933, com a publicação da coletânea de contos surrealistas Memórias dos tempos da imaturidade. Em 1939, partiu para Buenos Aires, mas não conseguiu voltar a sua terra natal, invadida durante a Segunda Guerra. Passou 24 anos na Argentina e, em 1963, recebeu uma bolsa da Fundação Ford para viver um ano em Berlim. Após o término da bolsa, mudou-se para o sul da França, e permaneceu lá até a morte, em 1969. Recebeu o Prix Internatinal de Littérature por Cosmos, em 1965.

LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA COMPANHIA DAS LETRAS

COSMOS

Quem cometeu o crime mais esquisito da história da literatura detetivesca, presente logo nas primeiras páginas de Cosmos, a última história de Witold Gombrowicz? Terá sido um dos membros daquela família extravagante que acolhe o narrador na pensão de província durante suas férias? O pater familias, com seus hilariantes acessos histéricos à mesa? A mãe gordinha e repressora? A bela e silente Lena, filha do casal, tresandando uma sufocada sensualidade? A empregada de lábios reptilianos? Fuks, o repelente escudeiro do narrador?As pistas para a resolução do enigma ao mesmo tempo macabro e burlesco talvez estejam naquelas manchas e riscos no teto da sala de jantar e do quarto que parecem formar constelações de significados, do mesmo jeito que as estrelas no céu compõem as figuras clássicas da astronomia antiga. Pelo menos é isso que o narrador se esforça para ver ali, em sua ânsia por ordem e significado em meio a um mundo louco que lhe parece perigosamente à deriva.O culpado pode ser qualquer um, ou nenhum, dos excêntricos personagens que se movem em meio à neblina onírica de Cosmos. Talvez o dedo detetivesco do narrador aponte para si mesmo. Ou, hipótese ainda mais eletrizante, para o próprio leitor. Quem se aventura?
"Um dos livros mais profundos dos tempos modernos." - John Updike

FREI BETTO

FREI BETTO

O frade dominicano Carlos Alberto Libânio Christo (Frei Betto) nasceu em Minas Gerais, em 1945. Escritor, educador, jornalista, antropólogo e filósofo, é um dos intelectuais brasileiros mais respeitados internacionalmente. Em 1998, foi o primeiro brasileiro a receber o Prêmio Paolo E. Borselino, na Itália, pelo seu trabalho em prol dos direitos humanos. Ex-dirigente da juventude Estudantil Católica, foi preso pelo regime militar em 1969. Ao sair da prisão, em 1974, mudou-se para Vitória (ES), onde passou a trabalhar com pastorais populares. Defensor do que chama de “fé encarnada, engajada”, atuava no ABC Paulista quando eclodiu a greve dos metalúrgicos, da qual emergiria o Partido dos Trabalhadores (PT). Tornou-se, desde então, um dos maiores amigos de Lula, que o convidou para integrar o Governo, participando do Fome Zero.
Publicou 49 livros, no Brasil e no exterior, sempre com grande êxito entre o público.

LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA ROCCO

CALENDÁRIO DO PODER

Entre 2003 e 2004, Frei Betto ocupou o cargo de assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, incumbido da mobilização social do programa Fome Zero. Ao longo daquele período, manteve o hábito de, mensalmente, prestar contas ao presidente da República, por escrito, de sua atuação no governo federal. Esse material serviu de base ao Calendário do poder, documento de inestimável valor histórico e que familiariza o leitor com as entranhas do poder.
Neste livro, Frei Betto divide com o público, entre outros temas, os avanços do Fome Zero e a angústia de ver o programa esvaziado pela burocracia estatal; as reuniões ministeriais; o contato com os governadores; as conversas com o presidente e as cartas a ele remetidas; a implantação de uma extensa Rede de Educação Cidadã; os indícios de corrupção e as tensões no interior do governo.
Com o lançamento de A mosca azul – reflexão sobre o poder, por esta editora, em 2006, Frei Betto suscitou em muitos leitores a curiosidade por sua trajetória de 24 meses no governo Lula. Eis que agora ele oferece, em O calendário do poder, a mais transparente e contundente obra já publicada por quem teve o privilégio de ocupar um gabinete no Palácio do Planalto, o coração do poder.

GUSMÁN, LUIS

LUIS GUSMÁN
Luis Gusmán nasceu em Buenos Aires em 1944. Como escritor se destacou tanto na área do ensaio como do romance. O lançamento de seu primeiro romance O Vidrinho (1973) o converteu num autor de referência pelo seu estilo pessoal e proposta transgressora na leitura de certos tópicos da psicanálise. Publicou outros sete romances em espanhol: Brillos (1975), Cuerpo Velado (1978), En el Corazon de Junio (1983) (Prêmio Boris Vian 1993), La Musica de Frankie (1993), Villa (1995), Tennessee (1997) – levado ao cinema sob o título Sottovoce – e Hotel Eden (1999). Escreveu também dois livros de contos: La Muerte Prometida (1986) e Lo Mas Oscuro del Rio (1990), além de um relato autobiográfico intitulado La Rueda de Virgilio (1989). Gusmán colabora assiduamente como colunista nos mais importantes jornais da Argentina.

 
LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA ILUMINURAS

 
O VIDRINHO ( L )

"Sobre O Vidrinho teria que se dizer que é um romance policial em que o assassino, a vítima, o detetive e o narrador são a mesma pessoa." Essas palavras, do escritor argentino Ricardo Piglia sobre o texto de seu conterrâneo Luis Gusmán, nos dão uma idéia do que podemos esperar desse livro aterrador.

PAVESE, CESARE

CESARE PAVESE

Nascido em 1908 em Santo Stefano Belbo, Langhe (Itália), foi um dos mais proeminentes vultos da literatura e crítica literária italiana do pós-guerra e também um dos responsáveis pela introdução em Itália dos grandes escritores americanos. Passou grande parte da sua vida em Turim, tendo conhecido intelectuais como Ginzburg, Bobbio e Pinelli durante os seus tempos de estudante no Liceo d’Azeglio. Depois de licenciado pela Universidade de Turim, com uma tese sobre a poesia de Walt Whitman, em 1930, começou a trabalhar como tradutor (principalmente de inglês, língua pela qual desde muito cedo se interessou). Em 1933 ajudou Giulio Enaudi a fundar a editora Einaudi. Em 1935, por defender ideais anti-fascistas, Pavese foi preso e mais tarde exilado para o Sul de Itália (período durante o qual escreveu o conjunto de poemas “Lavorare stanca”, publicado em 1936). Um ano depois, de volta a Turim, trabalhou com Einaudi como editor e tradutor. Durante a guerra, Pavese foi convocado para integrar o exército fascista, mas acabou por passar seis meses num hospital militar, pelo facto de ser asmático. Quando regressou a Turim, toda a cidade estava ocupada por tropas alemãs, o que o fez refugiar-se nas montanhas de Serralunga di Crea, perto de Casale Monferrato, abstendo-se de apoiar qualquer uma das partes em conflito nesse território. Depois da guerra, inscreveu-se no Partido Comunista Italiano, começando a trabalhar no órgão de imprensa do mesmo partido, o “L’Unitá”. Já perto da morte, Pavese fez sucessivas visitas à sua terra natal, Le Langhe, onde havia passado grande parte da sua infância. Porém, em 1950, as desilusões amorosas e políticas que vinha sofrendo levaram-no a cometer suicídio num quarto de hotel por meio de uma overdose de barbitúricos (situação que podemos comparar com a última cena do seu livro “Tra Donne Sole”).


LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA BERTRAND BRASIL


O OFÍCIO DE VIVER

“Tudo isso dá nojo. Não palavras. Um gesto. Não escreverei mais.”
Com essas palavras terríveis e tristemente proféticas, conclui-se o Ofício de Viver, diário do escritor italiano. Tristemente proféticas porque o autor se mataria poucos dias depois de redigir essas linhas.
Das relações amorosas às dúvidas acerca da sua literatura, passando pela análise de suas emoções e angústias, o texto é pungente em seu desnudamento da alma de um grande artista.

LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA COSAC NAIFY
TRABALHAR CANSA
Com um verso mais narrativo, aberto à prosa da vida cotidiana, Pavese retratou as noites insones das cidades, as figuras de proletários, camponeses, prostitutas, bandidos, bêbados e mendigos vivendo seu drama diário. No contexto da Itália fascista, o poeta marca um momento de virada, renovação e revitalização da poesia italiana, dominada então por tendências mais herméticas e de "poesia pura". Depois dessa primeira experiência, Pavese passou a dedicar-se quase exclusivamente à prosa.

FAUSTO, RUY


RUY FAUSTO

Fausto, Ruy nascido em São Paulo, em 1935, estudou filosofia e direito na usp e doutorou-se em filosofia pela Universidade de Paris I. Ensinou no Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, da qual é professor emérito, na Universidade de Paris VIII e na Universidade Católica do Chile. Publicou Marx: Lógica e Política: investigações para uma reconstituição do sentido da dialética, 3 vols. (1983, 1987 e 2002); Dialética Marxista, Dialética Hegeliana: a produção capitalista como circulação simples (1997); e Sur le concept de capital: Idée d’une logique dialectique (1996), entre outros.

LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA PERSPECTIVA

A ESQUERDA DIFÍCIL

Depois do colapso do “socialismo de caserna”, os rumos da esquerda parecem ao mesmo tempo abertos e difíceis. Se temos, de um lado, os que carregam a nostalgia do comunismo, os traumatizados pelo que teria sido uma grande derrota do “socialismo” (as viúvas de Lênin, de Mao, e mesmo de Stálin) e, de outro, os que, depois de tudo, se resignam a ver no capitalismo a única alternativa para os descaminhos totalitários, há ainda os que, recusando um e outro, e sem fazer concessões ao lado negativo das experiências socialdemocratas, acreditam na possibilidade de relançar e renovar o projeto de um socialismo democrático. É precisamente deste programa que A Esquerda Difícil: em torno do paradigma e do destino das revoluções do século XX e alguns outros temas, que a editora Perspectiva oferece ao leitor em sua coleção Estudos, se ocupa, tratando principalmente de seus prolegômenos “negativos”, isto é, da análise crítica, hoje freqüente mas raramente levada avante com rigor, daquilo que foi a doutrina hegemônica na esquerda ao longo do período anterior, o marxismo, e do balanço, também muitas vezes iniciado mas ainda incompleto, daquilo que foi a prática dominante desse período, a política comunista. Com esses dois temas e mais alguns outros, correlatos, Ruy Fausto contribui, com uma visão aguda, ao necessário esforço de auto-reflexão da esquerda contemporânea.

CANFORA, LUCIANO

LUCIANO CANFORA
Luciano Canfora nasceu em Bari (Itália) em 1942. É professor de filologia clássica na Universidade de Bari, onde dirige o Departamento de Ciências da Antigüidade. Suas pesquisas, principalmente sobre Demóstenes e Tucídides, renovaram aspectos fundamentais das letras gregas. Publicou numerosas obras, constando entre as mais recentes Togliatti e i dilemmi della politica (1989), A biblioteca desaparecida: histórias da biblioteca de Alexandria (Cia. das Letras, 1989), Tucidide e l’Impero (1991), Le vie del classicismo 1 (1991), Vita di Lucrezio (1993), Storia della letteratura greca (1994), Il destino dei testi (1995), Ellenismo (1995), Teorie e tecnica della storiografia classica (1996), Le vie del classicismo 2. Classicismo e libertà (1997), Il mistero Tucidide (1999). Também é diretor da revista Quaderni di Storia.

LIVRO ESCOLHIDO - ESTAÇÃO LIBERDADE
CRÍTICA DA RETÓRICA DEMOCRÁTICA (L!)
Em breves capítulos de grande contundência, Luciano Canfora revira e desconstrói o mito de nossa famosa democracia, seja ela em sua vertente clássica, popular, parlamentar, ocidental, proletária, ou o que mais ainda se inventou para (des)caracterizá-la. Canfora atinge com estocadas certeiras um valor considerado perene, e o que sobra tem trejeitos de uma grande fraude. O discurso da democracia e sua bem azeitada retórica são usados pelos donos do poder para justificar que uma minoria de turno sempre acaba comandando as maiorias. Canfora demonstra como essa aristocratização da democracia e seu corolário de desmandos ocorrem em todos os tempos e todos os lugares [...]. Interessante vermos como sempre se falou em nome da democracia, como sempre se cooptou classe política, imprensa e eleitorado, e hoje, nesse mundo uníssono em que os deserdados parecem não ter mais defensores, a convergência “democrática” rumo ao “centro”, que existiu desde finais do século XVIII, parece ruir, e pela primeira vez em muito tempo novos discursos não mais necessariamente se submetem a consensos que tanto duraram. Que a retórica da democracia não seja mais valor universal gera restrições cada vez mais perigosas para sua prática — se é que um dia ela foi efetiva. Os novos extremismos aflorando a torto e a direito (radicalismos de direita e xenofobias, o novo unilateralismo imperial norte-americano, ou ainda os fundamentalismos das grandes religiões), as renovadas intervenções dos Estados Unidos para exportar democracia e liberdade à moda da casa — talvez a mais obtusa operação de manipulação retórica que se tem visto — nos lembram que retórica e prática andam cada vez mais distantes. Persistindo as ilusões, Canfora faz com que as percamos, ao clamar que o que se entende por democracia hoje não é operacional, que os mercados referendam tudo, e que o próprio exercício da democracia se restringe a escolher entre opções predeterminadas e passadas pelo crivo de aparelhamentos que zelam por coibir eventuais excessos... democráticos.

DEBORD, GUY

GUY DEBORD


Guy Debord nasceu em 28 de dezembro de 1931 em Paris e faleceu em 30 de novembro de 1994. Foi um dos pensadores da Internacional Situacionista e da Letrismo Internacional e seus textos foram a base das manifestações do Maio de 68.A Sociedade do Espetáculo é o trabalho mais conhecido de Guy Debord. Em termos gerais, as teorias de Debord atribuem a debilidade espiritual, tanto das esferas públicas quando da privada, a forças econômicas que dominaram a Europa após a modernização decorrente do final da segunda grande guerra.
Ele rejeita, como duas faces da mesma problemática, o
capitalismo de mercado do ocidente quanto o capitalismo de estado do bloco socialista. Segundo Debord, o sentimento de alienação pode ser atribuído a forças do “espetáculo”, que podem ser traduzidas como a natureza sedutora do capitalismo. Em sua análise, Debord desenvolve as noções de “reificação” e “fetichismo das mercadorias”, introduzidas por Karl Marx em sua obra “O Capital”, comprovando as raízes históricas, econômicas e psicológicas da “mídia”.
O ponto central de suas teorias é que a alienação é mais do que uma descrição de emoções ou um aspecto psicológico individual. É a conseqüência da forma mercantil de organização social que atinge o seu clímax no atual capitalismo. É uma constituição moderna da
luta de classes, desta forma, o espetáculo é uma forma mercantil de dominação burguesa sobre o proletariado, as duas classes revolucionárias.
Debord mostra algumas estratégias que buscam resistir à alienação através da supressão ou derivação da realidade espetacular, destruindo os valores burgueses.

LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA CONTRAPONTO


A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO (L!)

Girando em torno do conceito de espetáculo e "separação", o autor o define e redefine. O primeiro capítulo: A Separação Acabada, composto de 34 teses, é a mastigação, a trituração paciente de um conceito, um repisar incessante na busca de definições e perspectivas que a noção de espetáculo vai assumindo em seu discurso. Mas, a medida em que avançamos, mais claras se tornam suas teses.
De alta densidade teórica, o texto torna-se árido, impermeável, até mesmo incompreensível ao leitor não-instrumentado. O autor não facilita: seu texto é extremamente conceitual, por vezes hermético. É um texto filosófico sem qualquer dúvida e de clara inspiração marxista. E assim é pelo fato da International Situacionista ser um movimento de reflexão artística e politica na chave do socialismo. Pode-se dizer que Guy Debord tenta dar um passo a mais no caminho reflexivo de Marx no Capital. O espetáculo é o desdobramento, o segundo passo, a consequência última do superdesenvolvimento do capital. « O espetáculo é o capital em um tal grau de acumulação que ele se torna imagem. » (Tese 34).
Ao acreditarmos que o conceito de espetáculo nessa obra está na ordem do senso comum, entendido enquanto apresentação artística, como em espetáculo teatral, circense etc., descobrimos que ele é muito mais abstrato e complexo. E nada tem a ver com esse sentido dicionarizado.
Um erro muito comum é tomar o título "Sociedade do Espetáculo" como tese: vivemos numa sociedade onde tudo é espetáculo, espetacular, escandaloso, onde tudo é manchete, tudo é primeira página. Debord parece ir muito além disso. Enquanto conceito, espetáculo vai além e em outra direção dessa primeira leitura. É muito mais abrangente, muito mais fundamental, muito mais causa do que efeito, muito mais entranhado na vida social, em suas condições modernas de produção do que se sõe no primeiro momento. Nesse sentido, escreve Debord na tese 14:
« A sociedade que se baseia sobre a indústria moderna não é fortuitamente ou superficialmente espetacular, ela é fundamentalmente espetaculista. »

Começando o capítulo com a citação de

Feuerbach - Prefácio à segunda edição de A Essência do Cristianismo, Debord anuncia sua crítica, a negatividade de seu pensamento:
« E sem dúvida nosso tempo... prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser... é a ilusão que é sagrada para ele, a verdade é profana. Melhor, o sagrado se engrandece aos seus olhos na medida em que decresce a verdade e cresce a ilusão, de modo que o cúmulo da
ilusão é também para ele o cúmulo do sagrado. »
Debord então insinua aqui o que vem a ser o espetáculo: a ilusão mais real que a verdade, o simulacro da vida social, sua inversão nas relações sociais que se dão na sociedade moderna capitalista através das imagens. Nesse sentido, a tese 9 acima posta faz sentido. A verdade como momento do falso, num mundo invertido, simulado porém real. E continua:
« Considerado em seus próprios termos, o espetáculo é a afirmação da aparência e de toda vida humana, quero dizer, social, como simples aparência. » (Tese 10)
E ele localiza esse movimento como o segundo passo que a sociedade moderna deu no processo capitalista, um passo que radicalizou suas consequências: do ser ao ter, e do ter ao parecer; e na medida em parecer tornou-se ser.
« A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social ocasionou na definição de toda e qualquer realização humana uma evidente degradação do ser em ter. A presente fase da ocupação total da vida social pelos resultados acumulados da economia conduz a um deslizamento generalizado do ter em parecer (...). » (Tese 17)
Perceptivelmente, Debord repousa a gênese do espetáculo nas novas formas de produção advindas pelo capitalismo industrial e do desenvolvimento dos mecanismos da publicidade e dos meios de comunicação suportantes e suportados pela indústria agindo por ele na criação de uma vida social mediatizada por imagens. Como Marx, Debord localiza a divisão do trabalho como a
« Com a separação generalizada do trabalhador e de seu produto, se perdem todo ponto de vista unitário sobre a atividade cumprida, toda comunicação pessoal direta entre os produtores. Seguindo o progresso da acumulação dos produtos separados e da concetração do
processo produtivo, a unidade e a comunicação tornam-se atributo exclusivo da direção do sistema. O sucesso do sistema econômico da separação é a proletarização do mundo. » (Tese 26)
A raiz do espetáculo está na divisão do trabalho que é o isolamento dos trabalhadores, fazendo apenas sua tarefa na fabricação da mercadoria, seu apertar de parafuso. Assim a produção torna-se abstração para o trabalhador, apenas a direção do sistema é que contempla o todo. O mundo então perde sua unidade, a abstração atravessa toda a sociedade, isolando o indivíduo no interior de seu automóvel, frente à sua televisão. O espetáculo vem reunir esses isolados, preencher os espaços entre os átomos, mas sem reedificar o todo perdido. O espetáculo é o próprio todo no mundo do isolado. Assim a separação está acabada.

FAORO, RAYMUNDO

RAYMUNDO FAORO

Advogado, jurista e escritor brasileiro nascido em Vacaria, Rio Grande do Sul, considerado um dos grandes pensadores do Brasil, autor de análises imprescindíveis ao entendimento da sociedade, da política e do Estado brasileiro. Filho de agricultores, passou boa parte da infância e da juventude na cidade de Caçador, Santa Catarina (1930-1945), para onde se mudou com a família e onde fez o curso secundário, no Colégio Aurora.
De volta ao Rio Grande do Sul, como estudante universitário foi co-fundador da revista Quixote (1947) e escreveu para diversos jornais do Rio Grande do Sul. Formou-se em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1948) e três anos depois (1951) seguiu para o Rio de Janeiro. Admitido por concurso como Procurador do Estado, na função destacou-se como um dos mais importantes juristas do Brasil, especialmente reconhecido e bastante respeitado pela sua contribuição às Ciências Sociais.
Publicou um livro considerado um clássico: Os Donos do Poder (1958), pela Editora Globo, de Porto Alegre, onde analisou a formação do patronato político e o patrimonialismo do Estado brasileiro, levando em consideração as características da colonização portuguesa. Escreveu outros livros em que discutiu temas como a política brasileira, ensaios jurídicos, além de um estudo sobre as obras e os personagens do escritor Machado de Assis. Também atuou como articulista em diversos jornais e foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB (1977-1979). Na política diretamente lutou pela redemocratização do País, defendeu o fim dos Atos Institucionais do regime militar e participou ativamente no governo João Figueiredo, na campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita.
Este carioca voluntário e emérito, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras (2000) no lugar do jornalista Barbosa Lima Sobrinho. Recebeu o Prêmio José Veríssimo da Academia Brasileira de Letras (1959); o Prêmio Moinho Santista de Ciências Sociais (1978) e a Medalha Teixeira de Freitas, do Instituto dos Advogados do Brasil.
Faleceu vítima de enfisema pulmonar, aos 78 anos, no Rio de Janeiro, velado na ABL e enterrado no Cemitério São João Batista. Conhecido como O Embaixador da Cidadania,.teve outras publicações importantes como o ensaio Machado de Assis - A Pirâmide e o Trapézio (1975), A Assembléia Nacional Constituinte - A Legitimidade Recuperada (1980) e Existe um Pensamento Político Brasileiro? (1994).

LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA GLOBO

OS DONOS DO PODER (L!)

Ensaio fundamental, acadêmico, para a compreensão da formação social e política brasileira. Partindo das origens portuguesas de nosso patronato político, o autor demonstra como o Brasil foi governado, desde a colônia, por uma comunidade burocrática que acabou por frustrar o desenvolvimento de uma nação independente. Sua análise abarca o longo período que vai da Revolução Portuguesa do século XIV até a Revolução de 1930 no Brasil.

NASSIF, LUÍS

LUÍS NASSIF

Luis Nassif foi introdutor do jornalismo de serviços e do jornalismo eletrônico no país. É comentarista econômico da TV Cultura, membro do Conselho do Instituto de Estudos Avançados da USP, do Conselho de Economia da FIESP e do Conselho da Escola Livre de Música Tom Jobim. Vencedor do Prêmio de Melhor Jornalista de Economia da Imprensa Escrita do site Comunique-se em 2003 e 2005, em eleição direta da categoria.

LIVRO ESCOLHIDO - EDIOURO

OS CABEÇAS-DE-PLANILHA

'Os cabeças-de-planilha' revela uma realidade perturbadora - por trás das estruturas, das teorias econômicas e das leis de mercado estão seres humanos com suas qualidades e seus defeitos - obstinação, voluntarismo, vaidade e ganância. Aliando conhecimento do passado a uma extraordinária familiaridade com os temas próprios da economia e do jogo político, Luís Nassif compara dois grandes momentos históricos do país, o Encilhamento e o Plano Real, e desvenda as tramas, as 'tacadas' e as ligações entre o grande capital e os homens fortes do governo.

BIRMAN, JOEL

JOEL BIRMAN

É psicanalista, doutor em filosofia pela USP. Leciona no Instituto de Psicologia da UFRJ e no Instituto de Medicina Social da UERJ. Iniciou no Collège International de Philosophie, em Paris, linha de pesquisa em Psicanálise e Filosofia. É autor de, entre outros, Sobre a Psicose, Freud e a Filosofia e Mal-estar na atualidade.


LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

ARQUIVOS DO MAL-ESTAR E DA RESISTÊNCIA

A psicanálise entra no século XXI ameaçada: de um lado estão as terapias de auto-ajuda e suas promessas de alívio imediato, sem construção de um projeto de interioridade. Na outra ponta, a neurociência e o avanço da medicalização da vida, outra forma de “cura”para os males que antes eram da alma: depressão, pânico e tédio subsútuíram, na linguagem do dia- a-dia, termos como ‘bode” e tristeza. Se a principal aspiração da modemidade era a liberdade, com a qual a psicanálise contribuiu, na pós-modernidade a angústia vem da constatação de que a história chegou ao fim e que se está condenado a viver num eterno presente, sem projeto de firturo. A experiência do sujeito moderno foi marcada pelo desamparo diante da possibilidade utópica de transformação do mundo. Para definir a condição do sujeito na pós-modernidade, o psicanalista Joel Birman propõe uma nova categoria, o desalento. Sai de cena o neurótico bem comportado, protagonista dos filmes de Woody Allen, entra o adicto, seja em consumo, comida, bebida, cocaína ou malhação. Fonte de desorganização psicossocial, origem das compulsões, do pânico e da depressão,— sintomas cada vez mais presentes na sociedade atual, o desalento do sujeito contemporâneo promove uma angustiada busca de referências. O diagnóstico está na coletânea de ensaios que compõe o livro de Birman, nos quais são discutidos, à luz da psicanálise, da filosofia e da sociologia, temas como violência, barbárie e religião. Para o autor, uma das importantes mudanças entre a modernidade e a modemidade tardia (ou líqüida, para ficar com a expressão do sociólogo polonês Zigrnunt Bauman, a quem Birman recorre) está no que ele chama de “disseminação do sofrimento masoquista”. Na busca desenfreada por referências, vale inclusive ser submetido à dominação e ao sofrimento para encontrá-las. Marcado pela ausência de projetos de longo prazo, o sujeito con temporâneo é definido por Birman como aquele que troca Edipo por Hamlet de Shakespeare. Numa sociedade mais voltada para Narciso, a pergunta passa a ser “quem sou eu?”. Entre os artigos, o leitor vai encontrar também importantes reflexões sobre a violência que atravessa as sociedades atuais. Seja no terrorismo que explode bombas em metrôs na Europa, na guerra contra o fraque, nos confrontos entre traficantes e policiais nos morros cariocas ou nos ataques do PCC na capital paulista, Birman põe um olhar instigante sobre o fenômeno da criminalidade. É quando aparece sua crítica ao projeto neo-liberal e ao progressivo desmonte do estado do bem-estar social. Para ele, tanto no Brasil quanto nos outros países da América Latina, a situação de barbárie e violência é resultado do fracasso da política em apresentar um projeto político para o país. Da falta de ideais utópicos e coletivos surgem, além da compulsão, o individualismo exacerbado. Enfraquecidos os mecanismos de formação de identidade coletiva — como sindicados, igreja e família — liquefeitos os laços comunitários, sobra ao sujeito a pulverização, a fragmentação e a ilusão da auto-suficiência. “A fratemidade só é possível se o sujeito puder reconhecer que não é auto-suficiente. (...) Pelo reconhecimento de sua não—suficiência o sujeito poderia reconhecer o outro como um igual”, afirma o autor no texto “Insuficientes, um esforço para ainda sermos irmãos”, no qual Birman chama atenção para o fato de que, na sociedade de consumo, o outro é tornado mero objeto e os individuos experimentam essa coisificação esvaziadora de qualquer subjetividade. Nesse cenário, a própria psicanálise não dá conta de responder ao apelo social de alívio imediato, freqüentemente encontrado nas terapias de auto-ajuda ou na invasão da vida cotidiana pelos medicamentos. Desapareceria, assim, o espaço para a psicanálise como uma tentativa de instaurar o desejo como condição subjetiva ftindamental para o sujeito.
(Texto de Carla Rodrigues, Revista Entrelivros, dez./06)

ARANTES, PAULO

PAULO EDUARDO ARANTES
Possui graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1967) e doutorado em Doctorat de Troisième Cycle - Université de Paris X, Nanterre (1971). Foi editor da revista Discurso (1976-1991). É professor aposentado do Departamento de Filosofia da FFLCH da USP e professor aposentado da Universidade de São Paulo. Foi Diretor da pós-graduação (1984-1998). Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em História da Filosofia e Filosofia política, atuando principalmente nos seguintes temas: globalização, Hegel, dialética, cultura brasileira, filosofia brasileira, relações políticas internacionais.

LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA BOITEMPO

EXTINÇÃO

A nova coleção de ensaios do filósofo aulo Arantes tem o título sombrio de Extinção: nada de muito surpreendente para osjá afeitos ao pensamento rigoroso, à erudição assombrosa e à verve satírica desse intelectual desabusado, formado na melhor tradição do Departamento francês de ultramar (título de outro livro do autor, no qual Arantes faz um acerto de contas com a história da formação do Departamento de Filosofia da USP).
Especialista em Hegel e auto-intitulado ‘um frankfurtiano de esquerda” (classificação já provocadora em si, pois implica a idéia de que existem, claro, “frankfhrtianos de direiti’), Arantes desfila sua veia irônica devastadora por algumas das questões mais fundamentais do cenário político e da cultura contemporânea — destacaria, aqui, a fina análise do documentário acerca do ex—secretário de defesa americano, Robert McNamara, e o agudíssimo ensaio sobre a onda de ataques do PCC a São Paulo.
A mera recensão do rol de temas enfrentados pelo filósofo nos dá o tom de seu fôlego, que se concentra tanto na problemática conjuntura da política internacional quanto nos descaminhos experimentados pela esquerda brasileira, seja em sua atividade teórica enquanto inteiigentsia marxista ou na efetiva participação política. Esse é um tema particularmente caro a Paulo Arantes, que poderia ser resumido na seguinte questão: qual o papel do intelectual marxista nos dias de hoje? Quais suas possibilidades de ação no interior da academia e da sociedade?
Se há algo de que Paulo Arantes não pode ser acusado (e as acusações realmente proliferam, o que é mesmo de esperar em alguém que ainda mantenha uma atitude crítica e combativa face às catástrofes da modernidade) é de conluio com o que se notabilizou na expressão “silêncio dos intelectuais”: ao lado do sociólogo Chico de Oliveira e alguns outros poucos, pouquíssimos, pensadores de nossa inteligência de esquerda, Arantes jamais poupou críticas aos companheiros do PT e ao governo Lula, muito antes que os escândalos que assolaram recentemente a nação viessem a público. Ao comentar o governo Lula, Arantes, em uma de suas tiradas típicas, dispara que “dizer que acabou não deixa de ser um exagero piedoso, pois supõe que em algum momento ele tenha começado”, o que já demonstra em elevado grau o compromisso de Arantes com a crítica mais ferrenha, não a troco do fogo de artificio ou do deslumbramento acadêmico, mas na direção de um enfrentamento permanente com a realidade, um detalhe básico que muitos de nossos intelectuais marxistas acabaram por esquecer, na passagem do bonde da história.
O volume da Boitempo integra a coleção Estado de Saio (justamente editada sob a batuta de Paulo Arantes), e o título não tem nada de casual: trata- se de um conceito fundamental para a compreensão da reflexão de Arames acerca da história contemporânea, que teve sua origem nos debates, ainda na República de Weimar, entre o fflósofo frankftartiano Walter Benjamin e o jurista CarI Schmitt, e encontraria posteriormente ecos no pensamento de Giorgio Agamben e nos livros de Toni Negri e Hardt.
No primeiro texto do livro, intitulado “Notícias de uma guerra cosmopolita”, Arantes faz uma análise amiudada da crise internacional representada pelos conflitos em curso, notadamente sobre a invasão americana ao Iraque. O título do artigo já direciona uma primeira estocada, ao relembrar, em chave sarcástica, a idéia kantiana de uma paz perpétua num mundo cosmopolita, algo que encontra guarida, para ficarmos apenas num autor mais célebre, no pensamento de Jürgen Habermas. Que a tal paz perpétua não se realizou é bastante evidente, O que não é evidente, e é justamente o ponto discutido por Arantes, é que, muito ao contrário, vivemos num estado de guerra permanente, ou seja, a nação imperial que domina hegemonicarnente o planeta, os Estados Unidos da América, que precisamente se confirmaram como império a partir da Segunda Guerra Mundial, permaneceu, desde sempre, em alguma espécie de conflito armado. O mais grave, segundo a lógica da argumentação desenvolvida por Arantes, é que esse estado permanente de beligerância é constitutivo do tão celebrado — pelos defensores do capitalismo de plantão — processo de globalização do sistema reprodutor de mercadorias.
Ora, como a América se encontra em estado de guerra permanente, o que foi especialmente agravado pela atual política de segurança do governo Bush, isso dá margem a um mecanismo jurídico perverso, ou seja: uma vez que estamos em guerr a, portanto, em uma situação extraordinária, podemos decretar o estado de exceção, ou estado de sítio, com a subseqüente abolição (ou restrição) das garantias individuais de liberdade, o descumprimento deslavado dos acordos de direito internacionais (como quando os EUA simplesmente deram uma solene banana para o Conselho de Segurança da ONU) etc. Repassando: uma vez que o que seria um estado extraordinário (o de guerra) se tomou a situação permanente, as medidas de exceção também aplicáveis num estado excepcional acabam por se tornar corriqueiras. Que esse caminho leva a um recrudescimento das piores políticas conservadoras, tingido até de tons fascistas, não é difícil de perceber.
Nesse livro instigante e vigoroso, Arantes nos desvela um mundo horrendo, em que a sanha destrutiva do capital leva de roldão, em ímpeto frenético, as ilusões e esperanças (quando não as vidas) da imensa maioria da humanidade. Mundo do lobby, das relações indecentes entre a política (se é que a expressão ainda faz sentido) e os interesses pessoais mais cínicos, em que a prática do esbulho desavergonhado, tão nossa conhecida, condena gerações inteiras à ignorância e à miséria.
Seguindo a máxima de Brecht, Arantes não parte das coisas antigas e boas, mas das novas e ruins, e Extinção não parece permitir ilusões de um futuro róseo. Mas se tudo que nos resta é a capacidade crítica de resistência, esta é exercida, com coragem e inteligência incomparáveis, pelo pensamento de Paulo Arantes .
(Resenha de Carlos Eduardo Ortolan)

WILLIAMS, RAYMOND

RAYMOND WILLIAMS

O galês Raymond Williams (1921-1988) foi um dos principais nomes na crítica cultural da New Left inglesa do pós-guerra. Estudou literatura, teatro e televisão, tentando compreender tanto a cultura chamada erudita quanto a cultura popular e a indústria cultural. Foi professor em Cambridge e professor-visitante em Stanford. É autor de Culture and Society, The Long Revolution, e Television: Technology and Cultural Form, entre muitos outros. Também escreveu romances e peças de teatro.




LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA BOITEMPO

PALAVRAS – CHAVE - UM VOCABULÁRIO DE CULTURA E SOCIEDADE (L!)

“Não se trata de dicionário ou glossário de um assunto acadêmico específico. Não se trata de uma série de notas de rodapé com definições ou histórias dicionarizadas de umas tantas palavras. Trata-se, ao contrário, de uma investigação a respeito de um vocabulário: um conjunto compartilhado de palavras e sentidos em nossas discussões mais gerais, em língua inglesa, sobre as práticas e instituições que agrupamos como cultura e sociedade.” (Raymond Williams) Ao retornar para Cambridge, após servir o exército inglês na II Guerra Mundial, o escritor e crítico literário Raymond Williams estranhou o novo e múltiplo sentido de uma palavra antes pouco usada: cultura. Dessa inquietação com os diferentes sentidos e usos dos termos, além da preocupação com a falsa neutralidade do vocabulário e dos dicionários, nasceu o projeto que resultou em Palavras-chave: um vocabulário de cultura e sociedade, até hoje inédito no Brasil. O livro parte da análise inicial de cinco palavras – indústria, democracia, classe, arte e cultura –, cujas alterações de sentido Williams considera fundamentais para entender o pós-guerra. Em torno desse eixo escreveu sobre 131 termos que são analisados em sua origem, evolução e diferenciações de uso, de acordo com correntes acadêmicas, contexto social e idelogias políticas. De alienação a violência, trata de palavras essenciais ao debate acadêmico e político (igualdade, ecologia, genético, hegemonia, história, teoria, nacionalista, racionalista, pragmático). O trabalho de reconstituição histórica do sentido das palavras demonstra que a linguagem é uma arena de conflitos sociais. Para Williams, é preciso aprender quais foram as opções de sentido derrotadas, quais foram impostas e a serviço do quê para entender e disputar o campo dos sentidos da linguagem. O livro de Williams era inédito no Brasil, e a tradução foi da professora da USP Sandra Guardini Vasconcelos. Coerentemente com o espírito de Palavras-chave, que conta com um prefácio de Maria Elisa Cevasco, autora de Para ler Raymond Williams, acrescentamos à edição brasileira – na forma de apêndice – verbetes escritos por intelectuais do Brasil e do exterior, que dão conta do vocabulário sobre cultura e sociedade dos anos 1990 até os dias de hoje, como: globalização (Alex Fiúza de Melo), estudos culturais (Andrew Miller), arte como mercadoria (Francisco Alambert), internet (Marcos Dantas), marketing (Isleide Fontenelle), televisão (Venício Lima), estudos pós-coloniais (Paulo Daniel Farah), marxismo (Celso Frederico), teatro (Flávio Aguiar), cinema (Marcos Soares), indústria cultural (Márcia Dias) e multiculturalismo (Vladimir Safatle).

ATTALI, JACQUES

 JACQUES ATTALI
Jacques Attali (nascido a 1 de novembro em Argel) é um economista francês e um escritor profícuo sobre diversos temas, incluíndo sociologia e economia mas também romances, biografias e até mesmo livros infantis. Destacou-se também por ter sido conselheiro de François Miterrand com apenas 27 anos.
Oriundo de uma família judia, é doutorado em ciências económicas e licenciado pela École polytechnique
(major de promotion), da École des Mines, do Institut d'études politiques de Paris e do ENA.

LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA RECORD

KARL MARX OU O ESPÍRITO DO MUNDO
O autor narra a extraordinária trajetória desse filósofo, fundador da única religião nova dos últimos séculos. Conta sem rodeios seu incrível destino e sua história intelectual e política. Analisa como foi possível que Marx redigisse com menos de 30 anos o texto político mais lido de toda a história da humanidade. Revela suas relações singulares com o dinheiro, o trabalho, as mulheres. Expõe, ainda, o excepcional panfletário que ele foi.