KAFKA


KAFKA, FRANZ


Franz Kafka nasceu em Praga a 3 de julho de 1883, cidade que durante todos os 41 anos da vida do escritor pertenceu à monarquia austro-húngara. Filho de um abastado comerciante judeu, Kafka cresceu sob as influências de três culturas: a judia, a tcheca e a alemã. Formado em direito, Kafka fez parte, junto com outros escritores da época, da chamada Escola de Praga, que era basicamente uma maneira de criação artística alicerçada em uma grande atração pelo realismo, uma inclinação à metafísica e uma síntese entre uma racional lucidez e um forte traço irônico.
Esta síntese irônica e lúcida aparece na maioria dos textos do profético Kafka. Quase toda a obra ficcional do autor é atravessada pelo caráter profético da história pela qual passaria o povo judeu, uma história crivada de perseguições, julgamentos encenados e injustiças. Mas Kafka também conseguiu formalizar uma obra literária que abriga leituras totalmente relacionadas com a condição do ser humano moderno. Kafka critica em sua obra coisas como a opressão burocrática da instituições, a "justiça" e a fragilidade do homem comum frente a problemas de tal modo insolúveis, gigantescos, e que são, na maioria das vezes, problemas comuns ao ser humano moderno. Seu primeiro livro foi Consideração, publicado em 1913 e que passou desapercebido — assim como todas as suas outras obras— pelo público da época. Em 1914 Kafka sofre uma grande crise emocional que alguns estudiosos afirmam ter sido causada por motivo de seu noivado, mas também pode-se afirmar que o início da 1ª Guerra Mundial, também no mesmo ano, teria um forte efeito sobre Kafka.
Suas obras mais famosas são escritas entre 1913 e 1921, são elas: A Metamorfose, O Processo, O Castelo, O Foguista (que é na verdade o primeiro capítulo de América), A Sentença e O Artista da Fome.
Em 1920 Kafka abandonou seu emprego em uma companhia de seguros por razões de saúde. Havia contraído tuberculose, que à época era considerada uma doença terrível. Nos anos de 1920 e 1921 Kafka relacionou-se com a escritora tcheca Milena Jesenká-Pollak, mas seu grande amor foi por uma mulher que conheceria apenas no final de sua vida, Dora Dyamant. As obras de Kafka são hoje consideradas verdadeiros marcos na história da literatura, mas não podemos de deixar de levar em conta, ao interpretamos as histórias desse Judeu tcheco que escrevia em alemão, as condições intranquilas que a sua época lhe transmitiu e que estariam imprescindivelmente ligadas à sua criação literária.
Para ler Kafka é preciso contar com uma certa atenção à maneira com que toda obra se constrói, principalmente seus períodos; estar sempre consciente de que toda a criação literária de Kafka foi dolorida, foi feita com o intuito de não parecer bonita, de parecer, principalmente, uma obra baseada na dor; ficar atento a todos os detalhes do texto, pois em Kafka, até as imperfeições são propositais, ou seja, segundo Theodor Adorno, até "as deformações em Kafka são precisas". Durante sua vida Kafka nunca conseguiu atingir grande fama com seus livros, porém logo após a sua morte, em um sanatório perto de Viena onde internara-se por causa de sua tuberculose, no dia 3 de junho de 1924, o escritor deixaria uma obra literária que teria enorme influência sob as futuras gerações e que é cultuada por quase todo o planeta.


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AS MURALHAS DA CHINA


Kafka é o homem a quem a sorte reservou o destino que a voz popular confere aos gênios: serem reconhecidos apenas após a morte física. Digo morte física, porque agora é que Kafka começa realmente a viver. Talvez devido à sua grande timidez, talvez devido ao período conturbado em que viveu e as condições particulares de sua vida, deva-se o fato de que o genial escritor passe ignorado dos seus contemporâneos. O próprio Kafka, após inutilizar muitas de suas produções, tentando recompô-las, mas sendo surpreendido antes pelas Parcas, pedira a um amigo que inutilizasse todos os seus trabalhos. Esse amigo, entretanto, provando que o é também de todos nós que admiramos as obras geniais, providenciou a publicação das mesmas, certo do seu valor, mas incerto quanto à reação do público. E aí está. Edições que se sucedem em todas as partes do mundo, o próprio assombro colocado diante dos olhos do leitor, o cinema, através de elementos de indiscutível bom gosto e capacidade técnica aproveitando o tema de uma sua novela (por sinal inacabada como a maioria dos seus trabalhos), e a glória póstuma enaltecendo a memória de um homem que passou toda a sua vida se escondendo do mundo. Aqui está, nesta compilação que fizemos, senão o melhor, pelo menos alguns dos trabalhos mais representativos do fenômeno kafqueano. Kafka descobriu, em nosso entender, o mundo subjetivo, do inconsciente participando ativamente da vida normal, porém não o descreve como um espectador, mas emergindo desse mundo, com toda a sua genialidade, numa tentativa sempre repetida em todos os seus trabalhos, de desvendá-lo sem se desvendar. Melhor do que a ninguém quadra a ele a comparação da esfinge, mas uma esfinge inventada por Freud, que a si mesma devesse desvendar o seu mundo íntimo, sob pena de ser absorvida pelos problemas que o mundo externo constantemente apresenta, e ser arrastada para os abismos da loucura. Assim é que, nas histórias que selecionamos aqui, Kafka aparece refugiado (ele que sempre careceu de abrigo) em sua casa, mas apresenta-a como “a construção” e figura a si mesmo como o animal que teme a sociedade, que ama o seu refúgio, mas sabe que será molestado e terá de lutar contra os intrusos e sucumbirá fatalmente; Kafka surge também preocupado com as relações humanas em “Blumfeld, um solteirão”; surge o Kafka tímido em “História de uma luta”, e o crítico de problemas sociais em “Investigações de um Cachorro”, “O Timoneiro,”, etc. Muito da obra representativa de Kafka está aqui. O leitor deve lê-lo com cuidado. É a melhor recomendação que podemos fazer a quem deseja penetrar o grande mistério.


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NARRATIVAS DO ESPÓLIO


O escritor tcheco Franz Kafka viu apenas a sexta parte de toda a sua produção ficcional ser publicada. Pouco antes de morrer, confiou sua herança artística ao amigo e testamenteiro Max Brod. As instruções do escritor eram claras: destruir toda a sua ficção impressa (exceto o livro Contemplação), seus artigos publicados em jornal e também seus manuscritos. Brod não atendeu a essas exigências e, graças ao seu empenho em preservar os escritos do amigo, hoje conhecemos uma das mais importantes realizações literárias do século XX.As obras do espólio começaram a vir à luz com a publicação dos grandes romances: O processo, O castelo e América (hoje O desaparecido). Vieram em seguida, a partir de 1931, as Narrativas do espólio, selecionadas por Brod entre as que lhe pareciam resolvidas formalmente. O volume reúne 31 textos diversos, que variam de tamanho e de feição - o termo "narrativas" era empregado pelo escritor para designar textos que iam da fábula ao aforismo, da reflexão à paródia, do épico à ficção crítica. Como afirma o tradutor Modesto Carone no posfácio, as narrativas curtas que constituem o volume não apenas estão no mesmo nível dos grandes romances kafkianos, como O processo e O castelo, como "garantiriam a Kafka, por si sós, um lugar privilegiado na literatura mundial".

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