LIVRO ESCOLHIDO - JORGE ZAHAR EDITORA
HISTORIA DA FILOSOFIA NO SÉCULO XX (L!)
Os relatos sobre as aventuras do pensamento contemporâneo estão na HISTÓRIA DA FILOSOFIA NO SÉCULO XX , de Christian Delacampagne. O livro tem muitas virtudes: é acessível aos não-filósofos, pelo didatismo e pela clareza, e interessante para os “iniciados”, por tornar visível os caminhos divergentes da filosofia nesse século; e contém ainda um vocabulário técnico, além de uma seleção bibliográfica do autor das obras mais relevantes da filosofia contemporânea.
Para Delacampagne a história da filosofia é parte essencial e estratégica da própria filosofia: como trabalho de releitura crítica dos textos, como afrontamento dos problemas e das teses que os textos formulam, seja para retomá-los ou para separar-se deles. Mas se a filosofia não existe fora de sua história, as criações conceituais e a introdução de novas problemáticas são inseparáveis de um presente cercado de perigos, que afeta a criação das idéias. Se os filósofos nem sempre contam do perigo que os cerca, ou do jogo de contingências “existenciais e sociológicas” que os envolve, será preciso biografá-los, restituindo vibração às suas experiências de pensamento. Optando pela crônica, o autor (adido cultural da França em Boston) renuncia a tratar das interseções entre a filosofia e outros saberes, restringe-se às obras que modificaram o “espaço comum” dos problemas filosóficos, e dá ao livro uma geografia e uma perspectiva (atlântico-européia) que privilegia as vertentes atualmente hegemônicas nas instituições universitárias.
Sua narração se inicia na Europa, entre 1880 e 1914, quando as conquistas militares, a expansão econômica, os avanços científicos e culturais do mundo civilizado alimentavam ilusões plenas de futuro. Período otimista, que reconhecia na dominação da natureza, no progresso racional, na emancipação do homem, o triunfo das Luzes. Mesmo as desordens sociais, as crises internas que afetavam os saberes, das matemáticas à filosofia, são vividas como um enriquecimento, como signo de uma era na qual a humanidade entrava na “via segura da ciência”. Daí a esperança, e a pretensão, de fundar a filosofia como ciência rigorosa, como língua comum de uma pátria de espíritos. Esse projeto, de uma língua formalizada do pensamento puro, entretém filósofos (como Edmund Husserl e Bertrand Russell) e um cortejo de matemáticos fascinados pela lógica (como G. Frege).
Mas as tensões resultantes da expansão capitalista, dos sucessos e mazelas da realidade industrial, rompem essa calma aparente. A guerra de 1914-1918, para o autor o “primeiro sintoma de uma pulsão suicida que não cessará de devorar a Europa”, propaga um mal-estar profundo. Como justificar as ambições morais da ciência, e da Razão, diante das suas aplicações durante a guerra (uso de armas químicas, bombardeios aéreos)? Teria o “racionalismo” morrido nos campos de batalha? Seria o fim dos princípios que sustentaram o florescimento dos Estados modernos (capitalistas, burgueses, parlamentaristas), já que a conquista dos seus maiores êxitos coincidiu com a impotência diante da barbárie?
As ondas de choque de Hiroshima, o horror de Auschwitz e a atmosfera pesada da Guerra-Fria intensificam a sensação da “crise” em muitas filosofias. Ela será traduzida como um encerramento: como o “fim” da metafísica, no trabalho dos neopositivistas do Círculo de Viena e em Ludwig Wittgenstein (para o autor “o filósofo mais importante do século”); como o “fim” da opressão, na mutação das relações entre teoria e prática, desenvolvida pelos marxistas (sinal dos tempos, o autor quase se desculpa antes de citar Marx e Lênin...); como o “fim” da própria Europa, demolida pela máquina de guerra nazista.
Por isso é relevante no livro o tratamento dado ao “caso Heidegger”. Talvez mais do que o relato da diáspora de muitos pensadores “continentais” para o mundo anglo-saxão; o acompanhamento das fraturas e impasses do socialismo real e do marxismo teórico; a concisa apresentação do Estruturalismo; ou mesmo o debate que encerra o livro, no qual o autor propõe uma “necessária revisão e correção” dos ideais iluministas, contra um relativismo cultural que ele considera nocivo.
Tratando da estratégia de dissimulação e ocultamento do engajamento nazista de Martin Heidegger, empregada pelo próprio e seus discípulos, Delacampagne desenvolve as implicações teóricas desse engajamento, demonstrando como a filosofia heideggeriana tem o poder de conceder a si mesma um tipo singular de invulnerabilidade, diante do que se passou. Nesse ponto do livro, o relato atinge sua maior virtude: a de mostrar como os filósofos deste século cambalearam entre um pensamento que fixa liberdades e um que é útil aos servilismos, entre o engajamento militante e o elitismo acadêmico, entre a vergonha de ser homem e o desespero.
Uma "colagem" de dados biográficos de autores e pequenas resenhas de livros que pretendo adicionar à minha "cesta literária" da qual o tempo será principal fator limitante. Marco com (L!) aqueles que já foram lidos.
DELACAMPAGNE, CHRISTIAN
CHRISTIAN DELACAMPAGNE
Christian Delacampagne was educated in Paris: Ecole Normale Supérieure (1969) ; « Agrégation » in Philosophy (1972); « Docteur d’Etat », University of Paris I–Sorbonne (1982). He was a fellow at the « Academy of France » in Rome (Villa Medici) from 1976 to 1978. He taught in the French educational system, and worked with the cultural section of several French Embassies from 1978 to 1998. He then taught at Connecticut College (New London, CT) and Tufts University (Boston, MA) from 1998 to 2002. Starting in Fall 2002, he began teaching 20th century French literature and theory, as well as Francophone literature at Johns Hopkins University. His special interests include political philosophy, film and media studies, visual arts and interactions between history, culture and politics. He has written some twenty books, directed several collective works and contributed to many more.
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