NASSIF, LUÍS

LUÍS NASSIF

Luis Nassif foi introdutor do jornalismo de serviços e do jornalismo eletrônico no país. É comentarista econômico da TV Cultura, membro do Conselho do Instituto de Estudos Avançados da USP, do Conselho de Economia da FIESP e do Conselho da Escola Livre de Música Tom Jobim. Vencedor do Prêmio de Melhor Jornalista de Economia da Imprensa Escrita do site Comunique-se em 2003 e 2005, em eleição direta da categoria.

LIVRO ESCOLHIDO - EDIOURO

OS CABEÇAS-DE-PLANILHA

'Os cabeças-de-planilha' revela uma realidade perturbadora - por trás das estruturas, das teorias econômicas e das leis de mercado estão seres humanos com suas qualidades e seus defeitos - obstinação, voluntarismo, vaidade e ganância. Aliando conhecimento do passado a uma extraordinária familiaridade com os temas próprios da economia e do jogo político, Luís Nassif compara dois grandes momentos históricos do país, o Encilhamento e o Plano Real, e desvenda as tramas, as 'tacadas' e as ligações entre o grande capital e os homens fortes do governo.

BIRMAN, JOEL

JOEL BIRMAN

É psicanalista, doutor em filosofia pela USP. Leciona no Instituto de Psicologia da UFRJ e no Instituto de Medicina Social da UERJ. Iniciou no Collège International de Philosophie, em Paris, linha de pesquisa em Psicanálise e Filosofia. É autor de, entre outros, Sobre a Psicose, Freud e a Filosofia e Mal-estar na atualidade.


LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

ARQUIVOS DO MAL-ESTAR E DA RESISTÊNCIA

A psicanálise entra no século XXI ameaçada: de um lado estão as terapias de auto-ajuda e suas promessas de alívio imediato, sem construção de um projeto de interioridade. Na outra ponta, a neurociência e o avanço da medicalização da vida, outra forma de “cura”para os males que antes eram da alma: depressão, pânico e tédio subsútuíram, na linguagem do dia- a-dia, termos como ‘bode” e tristeza. Se a principal aspiração da modemidade era a liberdade, com a qual a psicanálise contribuiu, na pós-modernidade a angústia vem da constatação de que a história chegou ao fim e que se está condenado a viver num eterno presente, sem projeto de firturo. A experiência do sujeito moderno foi marcada pelo desamparo diante da possibilidade utópica de transformação do mundo. Para definir a condição do sujeito na pós-modernidade, o psicanalista Joel Birman propõe uma nova categoria, o desalento. Sai de cena o neurótico bem comportado, protagonista dos filmes de Woody Allen, entra o adicto, seja em consumo, comida, bebida, cocaína ou malhação. Fonte de desorganização psicossocial, origem das compulsões, do pânico e da depressão,— sintomas cada vez mais presentes na sociedade atual, o desalento do sujeito contemporâneo promove uma angustiada busca de referências. O diagnóstico está na coletânea de ensaios que compõe o livro de Birman, nos quais são discutidos, à luz da psicanálise, da filosofia e da sociologia, temas como violência, barbárie e religião. Para o autor, uma das importantes mudanças entre a modernidade e a modemidade tardia (ou líqüida, para ficar com a expressão do sociólogo polonês Zigrnunt Bauman, a quem Birman recorre) está no que ele chama de “disseminação do sofrimento masoquista”. Na busca desenfreada por referências, vale inclusive ser submetido à dominação e ao sofrimento para encontrá-las. Marcado pela ausência de projetos de longo prazo, o sujeito con temporâneo é definido por Birman como aquele que troca Edipo por Hamlet de Shakespeare. Numa sociedade mais voltada para Narciso, a pergunta passa a ser “quem sou eu?”. Entre os artigos, o leitor vai encontrar também importantes reflexões sobre a violência que atravessa as sociedades atuais. Seja no terrorismo que explode bombas em metrôs na Europa, na guerra contra o fraque, nos confrontos entre traficantes e policiais nos morros cariocas ou nos ataques do PCC na capital paulista, Birman põe um olhar instigante sobre o fenômeno da criminalidade. É quando aparece sua crítica ao projeto neo-liberal e ao progressivo desmonte do estado do bem-estar social. Para ele, tanto no Brasil quanto nos outros países da América Latina, a situação de barbárie e violência é resultado do fracasso da política em apresentar um projeto político para o país. Da falta de ideais utópicos e coletivos surgem, além da compulsão, o individualismo exacerbado. Enfraquecidos os mecanismos de formação de identidade coletiva — como sindicados, igreja e família — liquefeitos os laços comunitários, sobra ao sujeito a pulverização, a fragmentação e a ilusão da auto-suficiência. “A fratemidade só é possível se o sujeito puder reconhecer que não é auto-suficiente. (...) Pelo reconhecimento de sua não—suficiência o sujeito poderia reconhecer o outro como um igual”, afirma o autor no texto “Insuficientes, um esforço para ainda sermos irmãos”, no qual Birman chama atenção para o fato de que, na sociedade de consumo, o outro é tornado mero objeto e os individuos experimentam essa coisificação esvaziadora de qualquer subjetividade. Nesse cenário, a própria psicanálise não dá conta de responder ao apelo social de alívio imediato, freqüentemente encontrado nas terapias de auto-ajuda ou na invasão da vida cotidiana pelos medicamentos. Desapareceria, assim, o espaço para a psicanálise como uma tentativa de instaurar o desejo como condição subjetiva ftindamental para o sujeito.
(Texto de Carla Rodrigues, Revista Entrelivros, dez./06)

ARANTES, PAULO

PAULO EDUARDO ARANTES
Possui graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1967) e doutorado em Doctorat de Troisième Cycle - Université de Paris X, Nanterre (1971). Foi editor da revista Discurso (1976-1991). É professor aposentado do Departamento de Filosofia da FFLCH da USP e professor aposentado da Universidade de São Paulo. Foi Diretor da pós-graduação (1984-1998). Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em História da Filosofia e Filosofia política, atuando principalmente nos seguintes temas: globalização, Hegel, dialética, cultura brasileira, filosofia brasileira, relações políticas internacionais.

LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA BOITEMPO

EXTINÇÃO

A nova coleção de ensaios do filósofo aulo Arantes tem o título sombrio de Extinção: nada de muito surpreendente para osjá afeitos ao pensamento rigoroso, à erudição assombrosa e à verve satírica desse intelectual desabusado, formado na melhor tradição do Departamento francês de ultramar (título de outro livro do autor, no qual Arantes faz um acerto de contas com a história da formação do Departamento de Filosofia da USP).
Especialista em Hegel e auto-intitulado ‘um frankfurtiano de esquerda” (classificação já provocadora em si, pois implica a idéia de que existem, claro, “frankfhrtianos de direiti’), Arantes desfila sua veia irônica devastadora por algumas das questões mais fundamentais do cenário político e da cultura contemporânea — destacaria, aqui, a fina análise do documentário acerca do ex—secretário de defesa americano, Robert McNamara, e o agudíssimo ensaio sobre a onda de ataques do PCC a São Paulo.
A mera recensão do rol de temas enfrentados pelo filósofo nos dá o tom de seu fôlego, que se concentra tanto na problemática conjuntura da política internacional quanto nos descaminhos experimentados pela esquerda brasileira, seja em sua atividade teórica enquanto inteiigentsia marxista ou na efetiva participação política. Esse é um tema particularmente caro a Paulo Arantes, que poderia ser resumido na seguinte questão: qual o papel do intelectual marxista nos dias de hoje? Quais suas possibilidades de ação no interior da academia e da sociedade?
Se há algo de que Paulo Arantes não pode ser acusado (e as acusações realmente proliferam, o que é mesmo de esperar em alguém que ainda mantenha uma atitude crítica e combativa face às catástrofes da modernidade) é de conluio com o que se notabilizou na expressão “silêncio dos intelectuais”: ao lado do sociólogo Chico de Oliveira e alguns outros poucos, pouquíssimos, pensadores de nossa inteligência de esquerda, Arantes jamais poupou críticas aos companheiros do PT e ao governo Lula, muito antes que os escândalos que assolaram recentemente a nação viessem a público. Ao comentar o governo Lula, Arantes, em uma de suas tiradas típicas, dispara que “dizer que acabou não deixa de ser um exagero piedoso, pois supõe que em algum momento ele tenha começado”, o que já demonstra em elevado grau o compromisso de Arantes com a crítica mais ferrenha, não a troco do fogo de artificio ou do deslumbramento acadêmico, mas na direção de um enfrentamento permanente com a realidade, um detalhe básico que muitos de nossos intelectuais marxistas acabaram por esquecer, na passagem do bonde da história.
O volume da Boitempo integra a coleção Estado de Saio (justamente editada sob a batuta de Paulo Arantes), e o título não tem nada de casual: trata- se de um conceito fundamental para a compreensão da reflexão de Arames acerca da história contemporânea, que teve sua origem nos debates, ainda na República de Weimar, entre o fflósofo frankftartiano Walter Benjamin e o jurista CarI Schmitt, e encontraria posteriormente ecos no pensamento de Giorgio Agamben e nos livros de Toni Negri e Hardt.
No primeiro texto do livro, intitulado “Notícias de uma guerra cosmopolita”, Arantes faz uma análise amiudada da crise internacional representada pelos conflitos em curso, notadamente sobre a invasão americana ao Iraque. O título do artigo já direciona uma primeira estocada, ao relembrar, em chave sarcástica, a idéia kantiana de uma paz perpétua num mundo cosmopolita, algo que encontra guarida, para ficarmos apenas num autor mais célebre, no pensamento de Jürgen Habermas. Que a tal paz perpétua não se realizou é bastante evidente, O que não é evidente, e é justamente o ponto discutido por Arantes, é que, muito ao contrário, vivemos num estado de guerra permanente, ou seja, a nação imperial que domina hegemonicarnente o planeta, os Estados Unidos da América, que precisamente se confirmaram como império a partir da Segunda Guerra Mundial, permaneceu, desde sempre, em alguma espécie de conflito armado. O mais grave, segundo a lógica da argumentação desenvolvida por Arantes, é que esse estado permanente de beligerância é constitutivo do tão celebrado — pelos defensores do capitalismo de plantão — processo de globalização do sistema reprodutor de mercadorias.
Ora, como a América se encontra em estado de guerra permanente, o que foi especialmente agravado pela atual política de segurança do governo Bush, isso dá margem a um mecanismo jurídico perverso, ou seja: uma vez que estamos em guerr a, portanto, em uma situação extraordinária, podemos decretar o estado de exceção, ou estado de sítio, com a subseqüente abolição (ou restrição) das garantias individuais de liberdade, o descumprimento deslavado dos acordos de direito internacionais (como quando os EUA simplesmente deram uma solene banana para o Conselho de Segurança da ONU) etc. Repassando: uma vez que o que seria um estado extraordinário (o de guerra) se tomou a situação permanente, as medidas de exceção também aplicáveis num estado excepcional acabam por se tornar corriqueiras. Que esse caminho leva a um recrudescimento das piores políticas conservadoras, tingido até de tons fascistas, não é difícil de perceber.
Nesse livro instigante e vigoroso, Arantes nos desvela um mundo horrendo, em que a sanha destrutiva do capital leva de roldão, em ímpeto frenético, as ilusões e esperanças (quando não as vidas) da imensa maioria da humanidade. Mundo do lobby, das relações indecentes entre a política (se é que a expressão ainda faz sentido) e os interesses pessoais mais cínicos, em que a prática do esbulho desavergonhado, tão nossa conhecida, condena gerações inteiras à ignorância e à miséria.
Seguindo a máxima de Brecht, Arantes não parte das coisas antigas e boas, mas das novas e ruins, e Extinção não parece permitir ilusões de um futuro róseo. Mas se tudo que nos resta é a capacidade crítica de resistência, esta é exercida, com coragem e inteligência incomparáveis, pelo pensamento de Paulo Arantes .
(Resenha de Carlos Eduardo Ortolan)