BIRMAN, JOEL

JOEL BIRMAN

É psicanalista, doutor em filosofia pela USP. Leciona no Instituto de Psicologia da UFRJ e no Instituto de Medicina Social da UERJ. Iniciou no Collège International de Philosophie, em Paris, linha de pesquisa em Psicanálise e Filosofia. É autor de, entre outros, Sobre a Psicose, Freud e a Filosofia e Mal-estar na atualidade.


LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

ARQUIVOS DO MAL-ESTAR E DA RESISTÊNCIA

A psicanálise entra no século XXI ameaçada: de um lado estão as terapias de auto-ajuda e suas promessas de alívio imediato, sem construção de um projeto de interioridade. Na outra ponta, a neurociência e o avanço da medicalização da vida, outra forma de “cura”para os males que antes eram da alma: depressão, pânico e tédio subsútuíram, na linguagem do dia- a-dia, termos como ‘bode” e tristeza. Se a principal aspiração da modemidade era a liberdade, com a qual a psicanálise contribuiu, na pós-modernidade a angústia vem da constatação de que a história chegou ao fim e que se está condenado a viver num eterno presente, sem projeto de firturo. A experiência do sujeito moderno foi marcada pelo desamparo diante da possibilidade utópica de transformação do mundo. Para definir a condição do sujeito na pós-modernidade, o psicanalista Joel Birman propõe uma nova categoria, o desalento. Sai de cena o neurótico bem comportado, protagonista dos filmes de Woody Allen, entra o adicto, seja em consumo, comida, bebida, cocaína ou malhação. Fonte de desorganização psicossocial, origem das compulsões, do pânico e da depressão,— sintomas cada vez mais presentes na sociedade atual, o desalento do sujeito contemporâneo promove uma angustiada busca de referências. O diagnóstico está na coletânea de ensaios que compõe o livro de Birman, nos quais são discutidos, à luz da psicanálise, da filosofia e da sociologia, temas como violência, barbárie e religião. Para o autor, uma das importantes mudanças entre a modernidade e a modemidade tardia (ou líqüida, para ficar com a expressão do sociólogo polonês Zigrnunt Bauman, a quem Birman recorre) está no que ele chama de “disseminação do sofrimento masoquista”. Na busca desenfreada por referências, vale inclusive ser submetido à dominação e ao sofrimento para encontrá-las. Marcado pela ausência de projetos de longo prazo, o sujeito con temporâneo é definido por Birman como aquele que troca Edipo por Hamlet de Shakespeare. Numa sociedade mais voltada para Narciso, a pergunta passa a ser “quem sou eu?”. Entre os artigos, o leitor vai encontrar também importantes reflexões sobre a violência que atravessa as sociedades atuais. Seja no terrorismo que explode bombas em metrôs na Europa, na guerra contra o fraque, nos confrontos entre traficantes e policiais nos morros cariocas ou nos ataques do PCC na capital paulista, Birman põe um olhar instigante sobre o fenômeno da criminalidade. É quando aparece sua crítica ao projeto neo-liberal e ao progressivo desmonte do estado do bem-estar social. Para ele, tanto no Brasil quanto nos outros países da América Latina, a situação de barbárie e violência é resultado do fracasso da política em apresentar um projeto político para o país. Da falta de ideais utópicos e coletivos surgem, além da compulsão, o individualismo exacerbado. Enfraquecidos os mecanismos de formação de identidade coletiva — como sindicados, igreja e família — liquefeitos os laços comunitários, sobra ao sujeito a pulverização, a fragmentação e a ilusão da auto-suficiência. “A fratemidade só é possível se o sujeito puder reconhecer que não é auto-suficiente. (...) Pelo reconhecimento de sua não—suficiência o sujeito poderia reconhecer o outro como um igual”, afirma o autor no texto “Insuficientes, um esforço para ainda sermos irmãos”, no qual Birman chama atenção para o fato de que, na sociedade de consumo, o outro é tornado mero objeto e os individuos experimentam essa coisificação esvaziadora de qualquer subjetividade. Nesse cenário, a própria psicanálise não dá conta de responder ao apelo social de alívio imediato, freqüentemente encontrado nas terapias de auto-ajuda ou na invasão da vida cotidiana pelos medicamentos. Desapareceria, assim, o espaço para a psicanálise como uma tentativa de instaurar o desejo como condição subjetiva ftindamental para o sujeito.
(Texto de Carla Rodrigues, Revista Entrelivros, dez./06)

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