PROUST, MARCEL

MARCEL PROUST

Marcel Proust nasceu em Auteuil, subúrbio de Paris, em 1871. De saúde frágil, teve uma infância cheia de cuidados. Durante a adolescência, viveu nos Champs-Élysées, em Paris, onde o ar saudável lhe ajudava a diminuir os efeitos da asma. Em 1891, ingressou na Faculdade de Direito da Sorbonne; preparou-se para seguir a carreira diplomática, da qual desistiu para dedicar-se à literatura. Seus primeiros escritos datam de 1892, quando, com alguns amigos, fundou a revista Le Banquet. A seguir, passou a colaborar em La Revue Blanche, freqüentando ao mesmo tempo os salões aristocráticos parisienses, cujos costumes forneceram material para sua obra literária, iniciada com Os Prazeres e os Dias (1896). A morte da mãe, em 1905, fez dele herdeiro de uma fortuna razoável. Com a saúde cada vez mais debilitada, Proust acaba isolando-se dos meios sociais para dedicar-se exclusivamente à criação de Em Busca do Tempo Perdido, publicado entre 1913 e 1927, em oito volumes: No Caminho de Swann, À Sombra das Raparigas em Flor, O Caminho de Guermantes (1 e 2), Sodoma e Gomorra, A Prisioneira, A Fugitiva e O Tempo Redescoberto. Seu romance é tido por consenso como um dos maiores não apenas do século passado, mas de toda a história da literatura. Proust morreu em Paris, em 1922.

OBRA ESCOLHIDA - EDITORA GLOBO (1961)

EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO ( L! )
Quando Marcel Proust morreu, em novembro de 1922, ele já havia inscrito há alguns meses a palavra "fim" abaixo de seu manuscrito de Em Busca do Tempo Perdido. Os três últimos volumes do romance - que soma ao todo sete - ainda por publicar, pedem retoques; embora A Prisioneira estivesse praticamente acabada, nós continuamos a ignorar onde deveria terminar Albertina Desaparecida e iniciar O Tempo Redescoberto, que só será publicado em 1927. Mas, já em 1909 Proust havia construído a estrutura de seu edifício: a qualquer momento em que a morte o surpreendesse, Em Busca teria oferecido a chave ao leitor.
Tudo começou em 1908, quando ele esboça um ensaio apresentado sob a forma narrativa e dirigido contra a crítica literária como a concebia Sainte-Beuve (1). Proust passa então, aos olhos de seus contemporâneos, por um espírito cultivado, refinado, até um pouco esnobe; ele é conhecido por ter publicado uma encantadora crônica, Os Prazeres e os Dias (1896), alguns artigos e traduções do crítico de arte e sociólogo britânico John Ruskin, mas não se sabe que ele tem guardado em suas gavetas, por não ter encontrado um desfecho, um longo romance (2) cujo herói chama-se Jean Santeuil.
Por volta do verão de 1909, o Conde de Sainte-Beuve metamorfoseia-se em romance. Imaginando que seu herói, convidado para passar uma manhã na casa da princesa de Guermantes, ele tem a revelação do tempo em suas duas espécies (tempo interior, graças a uma série de reminiscências, e tempo exterior, graças aos rostos envelhecidos dos convidados da princesa), Proust transforma em desfecho romanesco a conclusão de seu ensaio; mas este já estava carregado de cenas e personagens imaginários, a ponto de não se perceber mais o fio do discurso crítico. Em suma, o projeto, ao invés de se perder, ampliou-se.
Fascinado com a forma de se vestir de Madame Swann e com a cultura de seu marido (No Caminho de Swann), incomodado com as maneiras vulgares de jovens ciclistas em férias à beira-mar (À Sombra das Raparigas em Flor), ávido por convites para os salões onde são trocadas futilidades (No Caminho de Guermantes), torturado por amores que não valem a pena (A Prisioneira e Albertina Desaparecida), o herói de Em Busca - que se confunde muito mais com Proust do que o narrador que diz "eu" - traz em si uma obra-prima. Seguindo o método de Sainte-Beuve, quem suspeitaria?
A salvação através da arte
Sua admiração pelas pinturas de Elstir, ou pela música de Vinteuil, não parecem pesar muito diante dessa preguiça que aflige sua avó. Mas, essa "preguiça" é antes de tudo um temor reverencial diante da obra à qual ele se destina.
O herói do romance reflete seu criador: embora tenha sido um jovem apressado e ávido por sucesso, Proust teria a todo custo finalizado seu Jean Sauteuil e, em 1908, ter-se-ia prestado menos atenção, nos salões do Faubourg Saint-Germain em Paris ou no dique de Cabourg na Normandia, a seus ares "preciosos" do que a seu talento e seu sucesso literários. Em resumo, sua reputação de frivolidade era o inverso de uma alta exigência. Ela valeu-lhe, em 1912, a famosa recusa pela editora da Nova Revista Francesa (NRF) do primeiro volume de Em Busca, No Caminho de Swann: folheando o manuscrito, o escritor André Gide entreviu nele, como se esperava, histórias de duquesas e, vítima da "síndrome de Sainte-Beuve", expôs -se ao que chamou mais tarde de o maior remorso de sua vida, a ter passado ao largo do sentido de uma obra em gestação.
Do momento em que foi concebido o desfecho de Em Busca até a sua morte, ou seja durante treze anos (1909-1922), Proust multiplicou retratos e peripécias, reorientou ou amplificou algumas intrigas, inflou suas frases com comparações a fim de ligar o individual ao geral. Depois de acreditar, no início, que seu romance não ultrapassaria as mil páginas, ele acabou escrevendo mais de três mil. Até mesmo essa proporção faz sentido. Quando o caminho percorrido pelo herói encontra finalmente o tempo (que lhe permite reunificar seu eu) ele evoca com efeito o caminho de Perceval na conquista do Graal. Ora, se a natureza do Graal, tanto quanto a da obra do herói de Em Busca continua nos sendo mal conhecida, os esforços e o tempo que eles custaram dão-nos pelo menos uma idéia.
Como nos romances de cavalaria, alguns dos protagonistas que Proust coloca em cena param no meio do caminho. Swann, por exemplo, teria preferido enriquecer sua vida com belezas prontas, ao invés de uma beleza que ele próprio criasse. Ele pertence à categoria dos estetas, na qual seus contemporâneos classificavam Proust, enquanto este escrevia contra eles.
Em Balbec, que provavelmente evoca Cabourg, o herói de Em Busca aprende que as velas de regata, ou os vestidos das moças não atrapalham, aos olhos de um pintor impressionista, o espetáculo do mar eterno. O mundo exterior só possui o interesse de permitir uma alquimia do eu. Ao lhe restituir toda uma parcela de sua infância graças à memória involuntária, o sabor de uma pequena madeleine tem a mesma importância para o autor que o caso Dreyfus (3), ou os bombardeios aéreos de Paris.
Já em O Lírio no Vale, de Balzac, os ombros de Madame de Mortsauf possuíam mais importância do que os Cem Dias (4) e, em a Educação Sentimental, de Flaubert, a venda dos móveis de Madame Arnoux ofuscava, aos olhos de Frédéric, o golpe de Estado de Luiz Napoleão Bonaparte em 2 de dezembro de 1851. Já que o mundo se refrata numa consciência, o romance oferece sempre precedência ao frívolo em detrimento do essencial.
Mas, enquanto para os dois mestres do romance do século XIX a paixão amorosa causava essa inversão de valores, para Proust o amor era apenas uma doença. Seu herói deve senti-lo para refinar sua sensibilidade, mas apenas a obra de arte justifica que se reabilite o que se acreditava inicialmente insignificante. Essa desmistificação do amor é a base da subjetividade total de Em Busca. Que Swann ou o herói não cheguem a saber se Odette ou Albertine os traem faz parte de uma análise tradicional do ciúme; a modernidade de Proust vem do fato de que a questão, para ele, está fadada a permanecer em suspenso.
Como em um quadro impressionista, Em Busca tremula de incertezas. Proust contribui em suma para uma revolução literária comparável à que ocorre em seu tempo na pintura, e que realizarão de maneira mais radical os pintores não figurativos. Provando que o interesse de um livro reside menos na realidade que reflete do que na visão singular que expressa, ele inaugura o que Nathalie Sarraute - uma das líderes do Novo Romance (5) - chamará de a "era da suspeita", onde a suspeita é muito menos a de personagens romanescos e invejosos do que a do leitor, convidado a decifrar os arcanos de um estilo.

Pierre-Louis Rey
(Universitário )

1. Teoria determinista que consiste em explicar uma obra literária a partir do contexto histórico e social no qual está inscrito seu autor.
2. Manuscrito de mil páginas, que Proust nunca organizou e cujos pedaços foram publicados de acordo com a ordem cronológica da vida do herói.
3. Caso político-judiciário que abalou a França de 1894 a 1906.
4. Episódio do efemerísssimo retorno ao poder do imperador Napoleão Iº em 1815.
5. Expressão surgida nos anos 50 para designar o conjunto de escritores que colocam em questão a existência formal do romance, lançando-se na aventura do significante, a da escrita que se confronta a ela mesma.

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