PIGLIA, RICARDO

RICARDO PIGLIA

Ricardo Piglia nasceu em Adrogué, província de Buenos Aires, em 1941. Em 1967 saiu seu primeiro livro, Invasão, premiado pela Casa de las Américas. Em 1975 publicou Nome falso; em 1980, Respiração artificial e, em 1986, a ópera Cidade ausente (todos editados no Brasil pela Iluminuras) Piglia recebeu, em 1997, o mais importante prêmio literário da Argentina, Planeta, pelo livro Dinheiro queimado (Companhia das Letras). Escreveu o roteiro original de Coração iluminado, em colaboração com o diretor Hector Babenco. Crítico literário e ficcionista, é professor da Universidade de Buenos Aires e leciona habitualmente na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos

LIVRO ESCOLHIDO - EDITORA COMPANHIA DAS LETRAS
O ÚLTIMO LEITOR
Como Jorge Luis Borges, o escritor argentino Ricardo Piglia é avesso às fronteiras tradicionais e, sobretudo, à fronteira mecânica entre ficção e não-ficção. Mescla um andamento crítico e inquisitivo à trama de relatos. Ensaísta perspicaz, não hesita em entrelaçar a experiência pessoal às mais finas percepções literárias. Nos seis ensaios que compõem 'O último leitor', Piglia identifica várias modalidades de leitura na tradição literária ocidental. Não se trata de uma história sistemática da leitura, mas de um percurso por situações de leitura encenadas em textos centrais ou marginais da literatura, de 'D. Quixote' a 'Madame Bovary', das 'Ficções' de Borges ao 'Ulisses' de Joyce. Uma galeria fascinante de 'últimos leitores', isto é, leitores viscerais, que empenham todo o seu ser na apropriação da palavra escrita e, por meio desta, do próprio destino - Gramsci numa prisão fascista e Robinson Crusoé numa ilha deserta, Anna Kariênina num trem para Moscou ou Che Guevara. Há uma fotografia clássica de Ernesto Che Guevara, tomada em meio à desolação da paisagem boliviana, que o mostra montado em uma árvore, sereno como se estivesse em sua poltrona, lendo um livro. Em vez disso, Guevara está em plena guerrilha, em plena batalha, e a leitura lhe serve como um refúgio, como fuga. "Minhas duas fraquezas fundamentais: o tabaco e a leitura", ele anotou em seus famosos Diários. Ao ser preso em Ñancahuazu, Che levava consigo só uma bolsa de couro, atada ao surrado cinturão. Nela estavam um caderno de notas pessoais e alguns livros. E era tudo.
A relação apaixonada que Che Guevara tinha com os livros serve ao escritor argentino Ricardo Piglia como emblema da paixão pela literatura. Paixão que exige certa submissão e, até, certa fraqueza. Visto hoje como um líder audacioso e até imprudente, Che Guevara se concedia desabafos que contradizem esta imagem. Na primeira carta que escreveu para a mãe logo depois de chegar a Sierra Maestra, por exemplo, ele que - como Marcel Proust -, sofria com a asma, admite: "O inalador é mais importante para mim que o fuzil".
Um inalador e um livro, nada mais que isso. E estar sozinho, acima das turbulências do real, mais nada. As relações afetivas, e íntimas, de Guevara com a leitura motivam o mais surpreendente dos seis capítulos de O último leitor. O último leitor a que o título se refere é exatamente o Che. "Guevara é o último leitor porque já estamos diante do homem prático em estado puro, diante do homem de ação", Piglia explica. Ao contrário dos escritores profissionais, que escrevem para viver, Guevara vivia - mesmo as mais temerárias experiências guerrilheiras - para escrever. O amor pelos livros, que perdura até sua morte trágica, expõe ainda, no entender de Piglia, o abismo que o separa do outro ícone da esquerda revolucionária: seu companheiro Fidel Castro. Enquanto Castro, o grande retórico dos discursos sempre teve facilidade para se aproximar das pessoas, Guevara, o tímido, preferia "isolar-se, separar-se, construindo para si um espaço à parte"

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